O fracasso da Esquerda na América Latina e o “Presidencialismo de Cooptação” no Brasil

Qualidade da Democracia
Qualidade da Democracia
5 min readJan 21, 2016

ES: Como você vê o cenário político brasileiro nesse início de 2016 e quais os principais desafios do governo?

LPC: Sem novidades no cenário. Os desafios para o governo estão postos e são imensos: resistir ao impeachment e às investigações da Lava Jato, administrar a crise econômica e enfrentar as pressões dos partidos da base e dos movimentos sociais diante das restrições do orçamento. O governo vai passar o ano fazendo “gestão de crise”, não vejo espaço para muito mais do que isso. Assuntos importantes como educação, segurança pública e saúde ficarão fora do debate, seja no Executivo, seja no Legislativo. Os erros foram muitos e a conta chegou.

ES: Recentemente, Mauricio Macri interrompeu a hegemonia Kirchnerista na Argentina. Nicolas Maduro teve derrotas importantes no parlamento da Venezuela e Dilma Rousseff vive com a sombra do impeachment. A esquerda fracassou na América Latina?

LPC: A esquerda latino-americana é muito heterogênea e não se pode falar de fracasso de uma forma geral. Michelle Bachelet, no Chile, Tabaré Vasquez no Uruguai e Guilhermo Solís, na Costa Rica, ganharam recentemente eleições por partidos de esquerda. É verdade que são muito mais moderados do que Maduro e Kirchner. Não defendem grandes intervenções do Estado na economia, acreditam na abertura para o comércio mundial e não fazem campanhas contra a liberdade de imprensa. São lideranças que respeitam as regras e não apostam na polarização política. Mesmo Ollanta Humalla e Evo Morales que iniciaram seus mandatos com discursos mais radicais, moderaram suas ações. Morales foi chamado pelo Financial Times de “o socialista mais exitoso do mundo” e, de fato, a economia boliviana é agora três vezes maior do que era quando ele chegou ao poder em 2005. Humala por sua vez garantiu a participação do Peru na Trans-Pacific Partnership (TPP) liderada pelos EUA. Todos esses cinco países tiveram crescimento do PIB, baixa inflação, e baixo endividamento público em 2015 segundo o FMI.

São governos de esquerda que estão dando certo do ponto de vista econômico e que podem ganhar ainda muitas eleições, ou mesmo que não ganhem, provavelmente terão enorme peso eleitoral nos seus países. O que acontece no Brasil, na Venezuela e na Argentina é diferente. No Brasil, há o fator negativo da liderança da Presidente Dilma e a corrupção do PT, que no mais é um partido moderado e que inspirou a esquerda da América Latina a seguir nessa direção. A crise do kirchenismo na Argentina, não se reflete diretamente na crise do peronismo que continua forte e fará o possível para atrapalhar o mandato de Macri. O caso mais extremo é o colapso do chavismo na Venezuela que ocasionou perdas econômicas e sociais significativas. Avalio que será preciso mais de uma década para minimamente recuperar a capacidade das instituições públicas que estão destruídas pela partidarização e pela ideologia bolivariana. O problema é que mesmo nesses países onde a esquerda foi marcadamente incompetente, não acho que podemos falar de um fracasso irreversível. As pesquisas de opinião pública mostram que parte importante da população realmente gosta das propostas de esquerda e vê o estado como mais eficiente e justo do que o mercado. Estamos falando de eleitores que não se importam muito se as estradas estão ruins, desde que não tenham que pagar pedágio. Quanto mais benefícios e quanto mais gratuidade nos serviços públicos, melhor. As bandeiras da eficiência e da boa gestão pública ainda não conquistaram o coração da maioria dos latino-americanos e isso contribui para que a esquerda se apresente como uma alternativa viável, mesmo onde governou mal.

ES: Você concorda com a análise do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que o atual sistema brasileiro é um presidencialismo de cooptação (referindo-se aos pequenos partidos e o anseio do poder), e não de coalizão?

LPC: É uma fala política. O Brasil não é o único país que adota o modelo de democracia de consenso. Boa parte dos países Europeus têm características parecidas. A formação de amplas coalizões no Executivo com uma base parlamentar multipartidária acontece na Itália e na Suíça, por exemplo. No Brasil há uma divisão formal entre o poder Legislativo e Executivo; um sistema eleitoral de tipo proporcional com grandes distritos; federalismo acentuado; um bicamaralismo simétrico; e um judiciário independente com poder revisor. Tudo isso contribui para a formação de múltiplos pontos de veto no sistema político, o que leva a que as decisões sejam lentas e consensuais. O lado bom desse sistema é a moderação e o respeito aos direitos das minorias — e não convêm descuidar disso. Mas acho que a sociedade talvez esteja ficando cansada da morosidade de nossos governos. Algumas mudanças simples no sistema eleitoral como a adoção de um patamar nacional mínimo de votos para os partidos e a proibição de coligações eleitorais em eleições parlamentares poderiam ajudar a diminuir o número de partidos no Congresso, o que facilitaria a tomada de decisões. No entanto, a agenda da reforma política fracassou mais uma vez no ano passado. Os congressistas preferiram legislar sobre o financiamento das campanhas, o que não tem nenhuma relevância diante dos graves problemas que estamos enfrentando. Acho que a fala do ex-presidente traduz de forma prática a inquietação que muitos sentem com a falta de eficiência do nosso sistema político.

ES: Já faz bastante tempo que se nota, nas eleições, uma disputa entre o PT e o sentimento anti-PT — ultimamente representado pelo PSDB. Você ve espaço para que se fuja dessa dualidade? Existe uma brecha para algo novo?

LPC: A alternativa existe: Marina Silva. Em 2010 ela obteve 19,3% dos votos, em 2014, 21,3% e, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto, terá um papel relevante em 2018. De fato sempre houve uma alternativa, uma terceira via nas eleições presidenciais. A única eleição presidencial perfeitamente bipartidária foi a de 2006, na qual Lula e Alckmin ficaram com 48% e 42% dos votos respectivamente e Heloisa Helena com apenas 7% dos votos nacionais. Em 2002 Ciro Gomes e Garotinho concorreram e tiveram somados mais votos do que o Serra no primeiro turno. Ciro Gomes em 1998 obteve 11% dos votos no primeiro turno, e em 1994 o Enéas cumpriu esse papel. PT e PSDB disputaram, assim, as últimas seis eleições e chegaram ao segundo turno, mas sempre com o concurso de um terceiro partido. É claro que a crise econômica, a Lava Jato e a ameaça de impeachment podem mudar esse cenário e tirar o PT, e até mesmo o PSDB, da disputa. Crises como essa não são boas para os que estão estabelecidos e aumentam o risco de que surjam outsiders. Chavez surgiu na política venezuelana exatamente dessa forma, após liderar uma revolta militar contra os partidos tradicionais em 1992 que lançaram a Venezuela em uma severa crise econômica e política. Até mesmo onde o público é altamente escolarizado e a democracia consolidada é possível encontrar exemplos de candidatos que se beneficiam de crises. Em 2010 um comediante ganhou as eleições em Reykjavík, a capital da Islândia, país com uma das maiores rendas per-capita do mundo, mas que praticamente ‘derreteu’ com a crise financeira de 2008. O ‘Melhor Partido’ foi o mais votado e prometeu que não iria honrar qualquer de suas promessas eleitorais, entre as quais, comprar um novo urso para o jardim zoológico e abrir uma Disneylândia onde fica o aeroporto. Na política, nem sempre novidade é coisa boa.

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