PSDB: um partido à espera do plano de expansão da Telesp

Qualidade da Democracia
Qualidade da Democracia
5 min readJun 30, 2015

Fui hoje, no dia 14 de junho, à Convenção Estadual do PSDB de São Paulo, como recém-filiada, e confesso que voltei meio preocupada. É claro que o PSDB vai ganhar as eleições para prefeito de São Paulo em 2016 e, depois, para governador e presidente em 2018! Não tenho dúvidas disso! Só que para isso acontecer, acredito que serão necessárias algumas condições, que listo: i. o PT não conseguir articular discurso coerente e dar a volta por cima; ii. o PMDB não querer finalmente assumir papel protagonista na política nacional; iii. a direita não aproveitar o momento e lançar gente mais correta que Paul Vitti; e, finalmente, iv. o povo brasileiro, em sua imensa sabedoria, continuar rechaçando candidaturas arrivistas, como de fato tem feito em eleições recentes. Ou seja, todo o sistema partidário colaborando, o PSDB leva fácil!

Agora, se alguém resolver sair do script, aí eu já tenho as minhas dúvidas. Oito meses depois dos fantásticos 51 milhões de votos, que só não foram mais por conta de manobras ilegais em Minas Gerais ou, no mínimo, por conta da gestão temerária das contas públicas, não vi hoje na convenção porta aberta a esses milhões de eleitores que botaram fé no PSDB. Com todo o tão falado dinheiro do fundo partidário, mais as doações privadas, era para ter feito um evento grandioso, aberto e acolhedor. Eu me inscrevi no partido logo depois daquela segunda-feira da ressaca do segundo turno, e acho que não fui a única. Só no estado de São Paulo, de setembro de 2014 até maio de 2015, o PSDB ganhou quase 24 mil novos membros. Naquela terça de outubro, os eleitores já mostravam nas redes sociais o ânimo que tinham para resgatar a política! Foi esse ânimo que levou às manifestações de março e abril de 2015, quando milhões foram às ruas.

Mas, nesse meio tempo, recebi apenas a confirmação de que estava filiada, 6 meses depois do pedido. E só. Nem um convite para um cafezinho no diretório, aviso de reunião, nada. Para a burocracia partidária, não existo. Soube pelos jornais de uma votação no diretório municipal, mas se eu tivesse ido não votaria pois isso é só para delegado. E, por sua vez, me explicou uma moça na convenção, quem foi eleito no municipal vota no estadual, num chapão único que depois, esse sim, escolhe o presidente estadual. É isso mesmo. Filiados votam no diretório do bairro, que vota no municipal, que vota no estadual, que eleito num chapão vota no presidente estadual. Quando digo que não recebi nada, é nada mesmo. Nem pedido de doação financeira. Sei lá, um regalo para a nova filiada, o estatuto do partido, a biografia de Tancredo, cópia autografada do “Improvável Presidente”, receitas favoritas de Lucy Montoro, algum sinal de que há um novo membro na tribo.

Quem esse presidente estadual, eleito pelo voto 3 vezes indireto, representa? You tell me. Fica explicado por que de vez em quando um cacique tem que sair empunhando a borduna e impor um nome mais palatável ao — isso mesmo, adivinharam! — ao eleitor! Pois no fim das contas, não é a convenção que escolhe o prefeito, mas a maioria dos eleitores burgueses, digamos, usando o termo literalmente, habitantes do burgo, nossa querida Vila de São Paulo de Piratininga, no caso. E periga então escolherem alguém muito querido hoje no Ibirapuera, mas desconhecido do paulistano, que se perder para o Haddad não vai ser surpresa, assim como a derrota do Serra não o foi; era uma candidatura que atendia ao partido, não ao munícipe.

Oito meses depois dos 51 milhões de votos, três meses depois da manifestação dos 2 milhões, o PSDB está, pelo que pude auferir hoje, deitado em berço esplêndido. Sim, é um partido que conta com a simpatia da elite intelectual do país e também com os melhores gestores públicos. Não critico esse elitismo, pois como disse Marina Silva, é preciso valorizar quem chegou mais alto com realizações para mostrar! Mas ser líder é também entender que é preciso buscar os liderados, ávidos por participação. Hoje, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, não vi uma banquinha dando boas vindas aos novos filiados, nem ninguém preparado para indicar o que era, afinal, aquela convenção: Isso é só uma festa. Não vai ter discursos. É mais para os líderes virem aqui no saguão conversarem com os políticos locais. Vai ter discursos, mas não sei quando. Nada vai ser decidido. Propostas? Os nomes da chapa estão afixados aqui, mas é chapa única. Ah, você não é eleita? Então não tem nada a fazer aqui; na semana passada teve convenção municipal, não foi?

Isso ao vivo. Na internet, o mesmo. Fora alguns políticos que individualmente mantém suas páginas com coisas interessantes e respostas, suas ou de assessores, a coisa é triste, para eleitores ou filiados. Na reunião, também hoje, do secretariado do PSDB Mulher, perguntei, depois de um discurso aliás muito bacana sobre o papel da mulher na política, como era a questão da internet no PSDB Mulher. A resposta foi que tinham até conta no Instagram, que iam me entregar um folheto onde constava que o Facebook PSDB Mulher na rede já conta com 2 mil likes e aí já tinham que mencionar a presença de alguém cujo nome me escapa agora… O modo como minha questão foi tratada foi mais eloquente que a resposta: um visível incômodo com o fato de haver uma questão posta na mesa. Depois, fui ainda assuntar se tinha algo a fazer, alguma reunião temática; um sujeito me disse, extático, que o governador já estava chegando, desanimei, foi caminhar no Ibirapuera. À noite, li as notícias na imprensa.

Esse não é um momento banal na vida política brasileira. Não é um momento para brincar de partido. É um momento de virada. Ou voltamos à política racional de Fernando Henrique, ou nos afundamos como a Venezuela sem desodorante ou, o que também é uma possibilidade, voltamos à hiperinflação do PMDB de Sarney, que apenas empurra o desastre para o médio prazo posando de democrata. E, nesse momento de crise, vemos um partido que dá as costas a novos militantes, novas vozes, novos modos de se informar, de falar e de agir. Um partido que se coloca em compasso de espera enquanto o governo federal (e a própria idéia de governar) desmorona. O PSDB precisa entender que é dele a responsabilidade de acolher os novos atores políticos brasileiros, órfãos das ideologias do PT — tanto a ideologia de esquerda quanto a do consumismo inconsequente — e buscando guarida em algum projeto político, de preferência democrático.

O PSDB tem a obrigação, por sua história, por seu discurso, e principalmente pela qualidade inegável de suas lideranças, de oferecer esse espaço acolhedor a novas formas de ação política. Claro que sempre haverá lugar no PSDB para o prefeito vitalício de Pindamonhangaba e seus tantos seguidores, para a política local de padrinhos e compadrinhos, para o saguão onde se apertam mãos apenas pelo ritual de se apertarem as mãos. Penso que essa faceta provinciana — e profundamente humana — é parte da política em todos os lugares do planeta, mesmo nos mais avançados e democráticos: os tapas nas costas, as apresentações e recomendações pessoais, os pequenos feudos e alianças, os falsos elogios e afagos com faca afiada. Talvez essa seja a essência, até, da política, a trama real por trás de decisões abstratas, muito mais que les idées de Montesquieu ou la détermination de Robespierre. Mas mesmo essa política de caráter tribal e arcaico deve ser atualizada, traduzida, adaptada aos tempos atuais. E hoje me senti filiada a um partido que ainda aguarda o plano de expansão da Telesp.

Heloisa Pait é socióloga e professora da Unesp de Marília

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