Sentimento de injustiça econômica leva desiludidos ao novo populismo

Qualidade da Democracia
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3 min readSep 21, 2016

Alimentada pela desilusão de uma vida melhor que não chegou com a globalização, uma receita que combina líderes demagogos, promessas de ‘lei e ordem’ e protecionismo econômico — temperada por xenofobia — se repete em jovens e velhas democracias atualmente. Um novo populismo encontra terreno fértil na insatisfação que vai do saudosismo dos dias de abundância ao incômodo com a miscigenação nas esquinas.

Nomes como Donald Trump, Marine Le Pen, Norbert Hofer e tantos outros seduzem multidões que encontram em seus discursos voz para a ira por terem sido deixados de lado pela grande transformação econômica global. Esses líderes atraem eleitores que deixam nas urnas resultados que preocupam os especialistas.

“Não tenho nenhuma simpatia por esses nacionalistas extremos, xenofóbicos, que não gostam de hispânicos, negros, sírios. Mas tenho simpatia, em outra dimensão, quando dizem que foram enganados”, afirma, em entrevista ao Estado, o britânico Simon Reich, professor de assuntos globais da Rutgers Newark University, de New Jersey, nos EUA.

Ele se refere ao argumento de que muitas pessoas não se beneficiaram com a mudança estrutural econômica em países da Europa, nos EUA e em parte da Ásia no pós-Guerra Fria. “Quando se passa por uma transformação como essa, algumas pessoas ganham e outras perdem. As que perderam estão se tornando mais agressivas e se fazendo ouvir.”

Uma consequência desse renascimento populista, que segundo Reich acontece a cada 30 ou 40 anos, são as novas fraturas que criou nas correntes ideológico-partidárias. Mais do que direita e esquerda, os partidos passaram a ser classificados em abertos e fechados, ou como outros analistas como Reich preferem, cosmopolitas e populistas.

As novas definições tratam, essencialmente, da defesa de políticas de maior abertura ou total fechamento. Uma característica não é intrínseca à outra e, assim como há populistas de direita, há os de esquerda.

Na opinião do especialista em populismo e islamismo Ferruh Yilmaz, professor de comunicação da Universidade Tulane, de Louisiana, nos EUA, existe um consenso de que o populismo emerge em tempos de crise, quando grande parte da população sente que seus interesses não estão mais contemplados dentro do sistema representativo tradicional.

Por isso, ela se afasta dos partidos tradicionais e se aproxima de grupos ou pessoas com as quais se sentem conectadas. Nesse contexto, surgem os “outsiders”, alguém que se diz de fora do “establishment”, mas quer governar o sistema que critica. “Há muito tempo, acadêmicos têm apontado que a razão dessa crise é o dogma neoliberal que vem tacitamente sendo adotado pelo establishment dos partidos, tanto de direita como de esquerda”, afirma Yilmaz.

Segundo ele, esse dogma diz que, em um mundo globalizado, o sistema de bem-estar social não pode ser mais financiado e, após a queda da União Soviética, o antagonismo direita-esquerda dos velhos tempos não é mais necessário.

Uma vez que os dois lados passam a aceitar essa ideia, a distinção entre eles, segundo o professor Yilmaz, desaparece e o descontentamento com as políticas neoliberais não tem mais canal para ser articulado dentro do sistema tradicional.

A preocupação se replica pelos continentes, mas tem motivações diferentes nos países. Reich, também professor-visitante do Instituto de Pesquisa Estratégica da Escola Militar francesa (Irsem), destaca o caso da Áustria. O país tem a mais baixa taxa de desemprego da Europa. Mas, em maio, o líder populista de extrema direita Hofer teve expressiva votação ao defender, a exemplo dos britânicos, um referendo sobre permanência na União Europeia e políticas anti-imigrantes.

“No menor sinal de desequilíbrio da sua confortável economia, eles voltaram a ser o que sempre foram: austríacos. Meu pai nasceu em Viena, eu os entendo. Eles toleram os estrangeiros, são charmosos, mas não gostam deles”, diz Reich.

No Leste Europeu, como na Hungria e na Bulgária, há uma sociedade muito homogênea que quer permanecer assim. “Ela vê o estrangeiro como força da globalização hostil a eles”, completa. Para Yilmaz, não será surpresa se momentos como este termine como os períodos fascistas pré-conflito na Europa. “Tenho medo de estarmos nessa direção.”

O grande teste para o novo populismo, no entanto, será em novembro, quando a maior potência do mundo poderá eleger um homem considerado demagogo, cujas políticas econômicas se refletirão internacionalmente. Reich explica que grande parte dos eleitores de Trump não são xenofóbicos, mas votam nele por acreditar que não levará realmente adiante planos mirabolantes como expulsar muçulmanos do país. “Mas é dessa forma que a democracia é enganada”, alerta Reich.

Publicado em O Estado de S. Paulo de 18 de setembro de 2016

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