Cômodo

Danilo Monteiro
Quanto ao Tempo
Published in
2 min readDec 20, 2019
Crédito da imagem: Raphael Perez - Artwork gay art paintings, 2017, Acrylic Painting, People.

Entrei no quarto porque pensava que seria como antes. Olhei aquele mundo dos livros empilhados no canto, das roupas espalhadas em cima da cama, de um ou outro papel pelo chão, mas não havia real curiosidade. Não iria me demorar ali. Sabia que a conversa mole acabaria quando as roupas espalhadas no chão fossem as dele. Esperei que tudo fosse mecânico, previsível e satisfatório, por isso me surpreendi quando ele se mostrou espontâneo. Por que então aquela conversa despreocupada? Sabíamos da tensão palpável que precedia o beijo, mas não havia pressa. E será que estava preparado para algo impensado? Não sei, mas já foram duas interrogações no texto e me pergunto se vale a pena ficar nas respostas delas, pois eu sei que elas irão conter negativas mesmo quando se tratarem das afirmações mais óbvias.

Mas divago. O que importa nessa história é que estávamos ali jogando conversa fora e, de repente, estava perdido no rapaz. O quarto estava quente, mas não costumo pensar nisso porque gosto do calor. Mesmo vivendo naquela cidade de sol a pino, encontro conforto naquela agonia que só o calor proporciona. É como a agonia da língua que passeia no corpo e não se sabe onde termina, mas sabemos que irá terminar em algum ponto e ficamos na expectativa. Pois bem, eu já sabia que não seria como antes, mas também não pensei além disso porque estava ocupando meu pensamento pensando em nada. Só sabia que aquilo teria prazo de validade e abracei aquele calor agoniado que o rapaz emitia.

Até que acabou.

Encarei o rapaz e pensei se aquilo se repetiria. Sim, iria. Aconteceria até perder a conta, mas não o tanto que eu queria porque aprendi da forma mais difícil que minhas vontades são todas inalcançáveis. Os livros do canto iriam parar em cima de uma mesa, as roupas seriam guardadas dentro de um móvel, os papéis continuariam espalhados pelo chão — nem tudo é perfeito -, o rapaz mudaria. No entanto, eu não. Estava certo, tudo seria como antes. Não iria me demorar ali. E descobri que estava perdido porque sofreria e sentiria falta. Não por muito tempo, pois também sei que saudade pode ser cômodo, mas nunca deve ser casa inteira. Por isso, sentei, apreciei o momento e esperei a resposta óbvia.

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