Olhar pro céu
Eu olhava bastante pro céu quando era criança. Ficava deitado no piso vermelho do terraço e dando forma pras nuvens. Uma casa aqui, um jacaré ali… Até quando o céu tava fechado, esse era o meu passatempo. Gastava horas ali pensando como seria bom ver aquilo de perto um dia.
Não lembro quando a minha visão começou a ficar turva. Só sei que, de repente, olhar pro céu não era mais divertido. A solução veio na forma daqueles terríveis óculos que machucavam o nariz e atrás da orelha. De fato, passei a enxergar as coisas com nitidez, mas não havia mais graça. Tudo estava arruinado.
Parei de olhar para o céu.
De lá pra cá, tudo piorou. A miopia agressiva me força a ser mais dependente dos óculos. Todas as coisas precisam ser vistas mais de uma vez porque esses meus olhos não são confiáveis. Rever é um fardo pesado, pois tudo significa incerteza.
Por isso, quando você apareceu, me perguntei se estava vendo bem. Olhei mais uma vez pra ter certeza. Continuei usando a desculpa da miopia para fixar o olhar. Fico sem graça quando te pego olhando de volta e disfarço. Também não sou estúpido, sei que minha visão míope não é compartilhada por você. Pensei se deveria ficar triste com isso, mas resolvi que não. No fim das contas, olhar para você é como olhar para o céu: divertido, mas uma hora termina.