Paixão

Danilo Monteiro
Quanto ao Tempo
Published in
2 min readOct 1, 2019

Tímida, estendeu a mão e esperou. Ofício e necessidade. Talvez alguém pensasse que era luxo ficar ali sentada horas a fio, mas ela sabia de suas dores e, principalmente, da angústia que sentia. Esperar não é fácil nem para quem precisa. Pior ainda quando não se sabe o que espera, porque cada dia é um ponto e vírgula diferente. As moedas vão caindo, pouco a pouco, mas cada dia menos. Os pontos continuam carregados de significado, mas as pausas são o sufoco de uma dor de quem está sentada desde a hora terça. Ela continua ali, impassível, mas a agonia lhe trespassa de um canto a outro. O milagre é que os ossos continuam intactos, embora a carne seja um amontoado de rugas e buracos. Milagre mesmo seria ser traída por trinta moedas, pensa. Às vezes, ela se pergunta porque nasceu ovelha e eu me surpreendo com a profundidade de seu pensamento, mas aí lembro que ela convive consigo há mais tempo que eu. A surpresa é que ela não lamenta; apenas se analisa em busca de um propósito. A mão estendida continua ali, mas as pernas já estão cansadas de ficar naquela posição incômoda. A penitência do desconforto é o que se pede aos filhos obedientes. Os abastados encontram alento no passo rápido do cotidiano e não olham para os pequenos que comem as migalhas. A hora sexta se aproxima e ela sabe que irá sofrer ainda mais, pois a escuridão denota o completo abandono e a penitência irá se transformar em desespero. Surge a necessidade de estender a outra mão e assumir seu papel completo de redentora. Ela sabe que não irá salvar todos, mas tenta espalhar o amor incondicional através de seus frágeis dedos. Para mim, essa é a pior hora de todas porque é a epítome da resignação. Ela, porém, me esclarece novamente que missão não pode ser confundida com costume. Sinto que a última hora se aproxima porque a mão estendida agora toca o asfalto sujo. Espero o grito desesperado, mas só ouço um chiado fraco saindo do peito dela. Silêncio. As moedas continuam caindo porque ninguém prestou atenção que o espírito dela já foi entregue. Aquela mulher era indesejada, então nada novo debaixo do sol. O corpo inerte será levado e esquecido no mesmo instante. Três dias é o luto de quem é lembrado em vida. Ela sobreviveu durante sua existência miserável e entendo agora que seu conforto é saber que não há ressurreição. E que todos os anjos digam amém.

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