Rotina

Danilo Monteiro
Quanto ao Tempo
Published in
3 min readMay 11, 2021
Créditos: GQ https://bit.ly/3o6QlIH

Acordo. Viro a cabeça e encaro a palma da mão até que ela se fecha. Pego o lençol e me cubro, resmungando pra ele que serão mais quinze minutos. Após o período de engano, me levanto e sorrio pra ele enquanto o café está no fogo. Como torrada pensando no preço das coisas. Coloco ração no pote da gata, reclamo que ainda tem. Ele sorri, dou um beijo nele e saio de casa. Caminho até a parada de ônibus, olho o relógio e penso que talvez dê tempo. Chego no trabalho com uns cinco minutos de antecedência. Bom dia, fulano. Bom dia, cicrana. Sento, trabalhou até meio-dia. Almoço. E esse vírus, né? Eu sei, vou me cuidar. Volto ao trabalho. Boa tarde, fulano. Opa, fulana. Ponto, ônibus, rua, casa. Dou ração pra gata, assisto televisão. Pego no sono no colo dele. Cama.

Acordo. Viro a cabeça e encaro a palma da mão até que ela se fecha. Pego o lençol e me cubro, resmungando pra ele que serão mais quinze minutos. Após o período de engano, me levanto, sorrio para ele enquanto o café está no fogo. Como torrada e digo pra ele como as coisas estão caras. Afago a gata, mas fico preocupado em sair de casa. Ele insiste que eu vá. Caminho até a parada de ônibus, olho o relógio e penso na hora de voltar pra casa. Chego no trabalho em cima da hora. Bom dia, fulano. Cadê cicrana? Ah, tá doente. Sento, mal consigo trabalhar. Almoço. Sim, ele pegou. Espero, obrigado pela preocupação. Volto ao trabalho. Telefone. Ele me liga do hospital, corro pra lá. Fico até às nove da noite. Vamos pra casa, arrasados. Cama.

Acordo. Viro a cabeça e encaro a palma da mão até que ela se fecha. Levanto-me rapidamente pensando que não posso perder quinze minutos. Penso em fazer café, mas vai demorar muito tempo, então é melhor comer na rua mesmo. Despejo ração todo desajeitado no pote porque a gata mia. Saio de casa. Caminho até a parada de ônibus. Será que vai dar tempo? Como na barraca perto do trabalho. Sete reais num café e pão com queijo. Chego atrasado no trabalho. Bom dia, fulano. Sento. Uma hora depois, o chefe chega sem jeito. Entendo, claro, é só por um tempo. Corte de gastos. Corro para o hospital. Tá tudo bem, fique tranquilo. Ele está pálido. Vai ter que ser intubado, fala o médico. Fico até às nove da noite. Vou pra casa, arrasado. Cama.

Acordo com a ligação do hospital. Agradeço, desligo. Viro a cabeça e encaro a palma da mão até que ela se fecha. Pego o lençol e me cubro, na esperança de que o mundo volte quinze minutos. Após o período de engano, me levanto. Um borrão. Cama.

Acordo. Viro a cabeça e encaro a palma da mão até que ela se fecha.

Acordo. Viro a cabeça e encaro a palma da mão até que tudo passe.

--

--