Conselhos Muito Sábios de Uma Viajante Temporal

Ansiedades de uma (futura ex) pré-intercambista em tempos sem Coronavírus

Mariana Prates
QUARANTENADA
5 min readDec 15, 2020

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Divagações ao ar livre, pré-pandemia. Foto: arquivo pessoal.

20 de outubro de 2019 (Dia do Poeta)
Um dos Bancos da Praça da Liberdade
No fatídico aguardo do 2101

Tenho apenas duas informações a dar neste momento.

a) Hei de atrasar minha bendita formatura, e
b) Passei no Minas Mundi, o motivo por trás do atraso, o que me faz sentir muito melhor sobre ter de fazê-lo.

Minhas principais opções eram Paris e Copenhague, mas as rodadas de alocações demoraram tanto, que as quatro vagas para a Kopenhagen Universiteit foram canceladas por falta de tempo hábil para resolver os trâmites de intercâmbio — cartas de aceite, visto e etc — até o início das aulas dinamarquesas, em fevereiro. O que significa que fui obrigada a subir Paris para o primeiro lugar, mesmo que o tenha feito sem grandes esperanças de que realmente iria a algum lugar. Quer dizer, era só uma vaga para a Sorbonne no segundo semestre, e quantos alunos existem na UFMG? Cinquenta mil? Socorro.

No entanto, um milagre há de ter ocorrido por aqui, pois eu passei. Passei! J’ai réussi, p*tain.

É estranho. Que minhas palavras não sejam confundidas com desânimo e ingratidão, mas a euforia, as mensagens em caixa alta e os surtos coletivos duraram as duas primeiras semanas, e posso dizer agora que a poeira baixou. Ainda falta tanto tempo e tanta coisa a fazer que não parece real. Será que eu vou mesmo para Paris? Que loucura.

Também tenho de admitir que a perspectiva do Erasmus, agora mais palpável do que antes de minha aprovação, me assusta um mucadinho. Eu vinha sonhando com esse trem desde antes de passar na faculdade, mas nunca tinha parado para refletir cem por cento sobre todas as implicações que ele iria (quer dizer, que ele vai) trazer de verdade. Como:

  • Morar sozinha;
  • Em outro continente;
  • Falando francês;
  • Com franceses.

Mas é reconfortante pensar que não estarei de todo sozinha, pois tenho Meu Primo Francês, que apesar de não ser francês de verdade, mora naquelas bandas a tempo o suficiente para parece sê-lo; e uma reca de amigos que também passaram para o ano que vem: a Cannula para o interior da França, a Giu na Bélgica, o Valter na Itália, a Ana na Holanda e a Lari na Alemanha. Gosto de pensar que, mesmo se os estereótipos eurofóbicos forem 100% verídicos e os franceses realmente forem grosseiros e ignorarem totalmente a minha existência na universidade, terei uma pequena rede de apoio sentimental em solo europeu para ajudar a lidar com as frustrações.

Além do mais, fizeram um grupo no Whatsapp com todos os intercambistas do ano que vem, o que significa que terei no mínimo mais cento e duas pessoas por perto caso tenha algum surto no processo, e a recíproca é verdadeira, imaginando que eles também estarão surtando, claro. Até fizeram um happy hour em um barzinho na Savassi, e apesar de ter planejado ir, as pessoas que eu conhecia não puderam comparecer, e eu tive um mini-surto de timidez quando à ideia de interagir com um grupo inteiro de desconhecidos. Escolha da qual me arrependi poucas horas depois, já que a ideia de sair de intercâmbio é literalmente ficar seis meses interagindo com desconhecidos, e pior — em francês. Como DIABOS cê pretende fazer um negócio desses se não vai nem na Savassi, zé.

Mas sejamos racionais; considerando as 572 novas mensagens que surgiram no grupo do Whatsapp nessa meia hora em que larguei o celular, acho que ainda terei tempo o suficiente para me redimir.

Bom, é isso. Minha carona chegou. Até que me cheguem os dias de glória do métro parisien, continuo firme na luta pelo 2101 de volta para casa.

Olá, Mari do Passado.

Meu nome é Mari do Presente, e eu sou você, porém mais sábia. Muito prazer.

Me deparei com essas palavras, registradas há mais de um ano em uma fatídica espera pelo transporte coletivo, e sinto informar que tenho más notícias para dar. Não vou contar tudo o que aconteceu, porque tenho certeza de que você não vai acreditar. Algo sobre um vírus desconhecido surgindo abruptamente, uma calamidade sanitária mundial… Uma surpresa desagradável com ares de roteiro de um sci-fi hollywoodiano.

No entanto, posso dizer que as coisas não sairão exatamente como você esperava. Portanto, darei algumas dicas valiosas para te ajudar em meio ao caos que está para surgir:

  • Da próxima vez que marcarem um encontro de intercambistas pelo grupo de Whatsapp, vá. Na verdade, se te chamarem para qualquer coisa que seja, vá. Faça uso de seu direito de ir e vir, porque ficaremos sem sair de casa por um bom tempo;
  • Essa história dos franceses mal-educados realmente são um estereótipo. Nós não fomos até a França para checar, mas todos os que conhecemos até agora — virtualmente — foram muitíssimo simpáticos;
  • Não se preocupe quanto aos receios de morar sozinha, pois ainda vai demorar um pouco para sairmos de baixo das asinhas de nossos pais;
  • E por último; não fique dissertando sobre suas ansiedades com relação a uma viagem, porque aparentemente, dá azar.

Ah, e nós vamos fazer um blog! Essa é uma ideia que você já vinha matutando a um bom tempo, mas com toda aquela história de procrastinação, nunca ousou tirá-la do papel. Por incrível que pareça, as condições anormais nas quais você se encontrará vão tornar esse sonho inesperadamente possível, mesmo que não seja um blog de viagens como você andava esperando. Mas não fique decepcionada. Nós fizemos até alguns amigos pelo caminho, pessoas que passaram pelo mesmo sufoco que você e tinham um bocado de histórias para contar.

Sei que pode parecer desesperador, mas vai melhorar com o passar dos meses. Ao menos, espero que sim. Ainda não chegamos ao final, mas tenho esperanças de que em breve poderemos dissertar novos pensamentos intinerantes aos pés da Praça da Liberdade novamente.

Olá, Mari do Futuro,

Andei refletindo sobre a realidade que me espera em breve, e se possível, gostaria de fazer alguns pedidos a você. Quando isso tudo acabar, por favor:

  • Veja os seus amigos e familiares, pois está sendo bem difícil manter a convivência apenas virtualmente. Completamos em breve um ano em isolamento, e apesar de algumas saídas esporádicas para a padaria, estamos seguindo à risca as recomendações. O que é ótimo para o momento, obviamente, mas não vejo a hora de acabar;
  • Vá para algum lugar. Não sei exatamente para onde, seja criativa: o Xodó na Praça da Liberdade, a Lagoa da Pampulha, a casa dos seus avós no interior. Qualquer lugar fora da nossa bolha que permita um bom escopo para a imaginação;
  • PARE DE PROCRASTINAR AS SUAS IDEIAS (desculpe se a caixa alta soou agressiva, mas considerando o nosso histórico, precisei reforçar a importância do tópico).

A pandemia não está sendo boa de forma alguma, mas apesar das dificuldades, sinto que evoluímos bastante. Engatamos na reta final da graduação. Revivemos alguns hábitos que pareciam a muito tempo enterrados, feito voltar a cozinhar. Começamos (finalmente) um blog! Aprendemos um mucado sobre manter a calma em momentos de crise, resiliência e afins. Se eu já andei tanto até aqui, aonde é que você ainda está para chegar?

Fonte:

Caderno de crônicas do dia-a-dia, 08/10/2019

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Mariana Prates
QUARANTENADA

devaneios de uma escritora em crise de (pouca) idade