Greek Tragedy

A TRAGÉDIA VOCACIONAL DO JOVEM BRASILEIRO

Anderson Sales
Quarta Prova

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Como um dos líderes de um movimento estudantil cristão aqui na minha cidade, sempre ouço a frequente pergunta dos meus colegas universitários:

“Anderson, você vai trabalhar como missionário em tempo integral quando acabar a faculdade?”

Além do interesse natural acerca do futuro de um amigo, essa pergunta que tanto me fazem esconde uma outra preocupação que ecoa junto dela:

“Anderson, você vai continuar fazendo missões apenas por prazer? Quando é que você vai começar a ganhar dinheiro com isso?”

Tanto a dissociação entre sentir prazer e ser remunerado quanto a ideia de que só se pode fazer alguma coisa se tal ocupação retornar satisfação pessoal imediata, ou uma boa renda no final do mês, são muito comuns no nosso imaginário, e têm matado friamente um conceito fundamental para que todo ser humano encontre seu lugar nessa vida, há muito já esquecido pela esmagadora maioria dos brasileiros: o conceito de vocação.

Essa palavra vem do Latim VOCATIO, “um chamamento”, de VOCATUS, “pessoa chamada”, de VOCARE, “chamar”.

E se, quando acabar a faculdade, eu porventura decidir trabalhar como missionário de tempo integral — e isso não for nem por dinheiro nem por prazer?

Quem encontrou sua vocação sente que precisa atender a um chamado de alguém ou algo superior — seja de Deus, da História, de um povo… — e encontra neste ato quase profético de dizer “sim, estou aqui!” a sua instalação em uma vida com sentido.

Quem se sente chamado para fazer um empreendimento, seja de qualquer natureza, o faz mesmo que tenha de não sentir prazer ou de passar por apertos financeiros de vez em quando (e não estou com isso defendendo um estilo de vida franciscano, de jeito nenhum).

Quem passa a olhar sua vida sob a lente da vocação já não se importa se teria outros caminhos profissionais mais economicamente vantajosos ou prazerosos a serem tomados.

Acontece que, diante de tantos apelos pós modernos para uma vida de sucesso materialista e diante de relações cada vez mais utilitaristas, não se tem escutado nem se buscado ouvir qual o vocatio certo a ser atendido.

É por isso que, mesmo quando alguém consegue vencer a barreira da ociosidade e encontra um meio digno de pagar os seus boletos, há ainda uma forte impressão de que se está apenas passando um período entre nascer e morrer caracterizado pelo não faço ideia do que está acontecendo.

Parafraseando o clássico — se você não sabe a quem ouvir, qualquer barulho serve. E aí é onde mora o maior perigo da nossa geração…

Uma tragédia anunciada

Para entender a raiz desse desmantelo, precisamos voltar às suas aulas de História do Brasil lá do ensino médio e lembrar como se deu essencialmente o processo de formação do povo brasileiro.

A grosso modo, três tipos bem distintos de pessoas deram início a essa grande família desorientada vocacionalmente chamada Brasil:

  • portugueses esperançosos de fazer um bom pé de meia e depois retornarem a Portugal, retorno esse que não deu certo para a grande maioria que teve que se contentar em ficar por aqui mesmo, e o pior, sem a riqueza prometida!
  • negros apanhados à força e vendidos como mercadorias para servirem como escravos nas terras brasileiras, amputados de qualquer sentido possível no seu trabalho que não fosse a sobrevivência…
  • e os índios que, mais perdidos do que você no rolê errado, não entendiam absolutamente nada do que estava acontecendo enquanto achavam o máximo trocar pau-brasil por tecnologias revolucionárias como o espelho, o machado ou o iPhone, não pera.

Importante dizer que graças às influências mais tardias dos asiáticos, árabes, alemães e de outros povos que séculos depois chegaram e deixaram sua marca na nossa cultura, suas perspectivas do trabalho e suas atividades empreendedoras resgataram o mínimo do valor e do sentido vocacional necessários para desenvolver algumas regiões do país. Agradeça quando encontrar algum descendente de asiático na rua…

É por isso que seus colegas de universidade vivem numa gangorra entre a alegria superficial do final de semana e o lamento profundo pelo trabalho de segunda à sexta — enquanto correm para parcelar em 24x no cartão da mãe o novo iPhone que acabou de ser lançado.

Apenas em um país que já nasceu abraçado ao materialismo imediato, e cego para o horizonte da relevância eterna do seu ofício, a sexta-feira é tão ansiosamente esperada e a segunda-feira, profundamente melancólica, chega tão rápido.

Uma saída possível

Você já tentou conversar com alguém no meio de uma festa e teve que chamar a pessoa para fora daquele barulho a fim de finalmente conversar em paz? (eu falei conversar, hein)

Ora, se a vocação é um chamamento, grito, voz, torna-se impossível ouvi-la nessa grande boate que se tornou nossa vida cotidiana. E sem ouvir esse convite de uma voz superior não se pode viver jamais no seu sentido pleno nem encontrar significado de segunda a sexta — apenas esperar o próximo feriado prolongado para então ser feliz, ou se aproximar disso.

Uma vez que os constantes estímulos externos nos impedem de reconhecer nossa vocação, como se não bastasse o furto histórico de valor transcendental no trabalho, precisamos urgentemente fazer um exercício simples mas que exige muito esforço: retirar-se periodicamente para ler as páginas da nossa vida e entender qual história estamos contando.

Encontrar uma narrativa própria digna a ser desenvolvida diariamente, que nos devolva esse valor eterno do serviço que vai além de pagar boletos, é a única saída para não fazermos parte dessa tragédia.

E que tragédia afinal é essa, Anderson?

A tragédia de termos os barcos com as melhores velas e os melhores ventos possíveis para se navegar — e marinheiros que, apesar de contarem com os mais tecnológicos recursos de GPS, não sabem qual o rumo tomar nem qual o porto certo para atracarem suas vidas.

Longe de mim dissertar uma nova Ética a Nicômaco (se você curte ler umas paradas mais aristotélicas, recomendo muito), durante as próximas semanas compartilharei de modo bem pragmático alguns exercícios que podem ser o início de uma fuga dessa tragédia a qual as gerações Y e Z estão se encaminhando.

Por meio deles você começará a escrever uma narrativa própria e original e espero que consiga ouvir, ainda que bem baixinho, uma voz, um grito, um chamamento que vem de algum lugar que parece distante, mas na verdade sempre esteve aí por perto…

O mundo que está barulhento demais; e nós estamos cada vez mais desatentos.

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Anderson Sales
Quarta Prova

Engenheiro, consultor empresarial e meio poeta de vez em quando.