O direito de escolher a morte

Afinal a vida é uma obrigação tão fortemente imposta que não se pode optar pela morte?

Murilo Costa
O Quarto Escuro
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5 min readJul 30, 2014

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Por Murilo Costa
Fotografia de Artista Desconhecido

A bioética discute assuntos de extrema importância para uma administração responsável sobre a vida de animais humanos e não-humanos, são geradas discussões envolvendo questões complexas em áreas multidisciplinares, as quais, ainda não possuem consenso moral. Em uma era que a tecnologia avança a maiores velocidades que o desenvolvimento ético, é importante que alguns conceitos sejam redefinidos e debatidos para que assim haja consenso sobre quais atitudes podem ser consideradas e quais medidas podem ser tomadas diante esses novos obstáculos.

Um dos assuntos que são discutidos pela bioética é a eutanásia, que é uma prática para acelerar a morte de um paciente terminal ou incurável de forma que o mesmo não sinta dor ou sofrimento. A ação é praticada por um médico desde que haja consentimento do paciente ou de sua família, o Brasil não possui legislação própria sobre esse assunto, sendo assim os casos de eutanásia são enquadrados como crimes de atentado contra a vida.

1. A dignidade humana

Os países associados à Organização das Nações Unidas (ONU) devem respeitar os itens expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o conceito de dignidade humana é fundamental para entender o que são esses direitos, consistem basicamente em quatro pilares: a liberdade de expressão, liberdade de religião, liberdade de necessidade (direito ao mínimo de recursos para sobrevivência) e liberdade de viver livre do medo. Essa conclusão é resultante da discussão racional e secular de valores obtidos através de elementos religiosos e culturais que foram aperfeiçoados pela filosofia, principalmente com o filósofo Immanuel Kant e pela ciência jurídica.

Uma das bases utilizadas para conceituar dignidade humana é oferecida por Kant que diz que cada indivíduo é autônomo, e portanto, responsável por seus atos e seu destino, de acordo com o categórico imperativo uma vida humana deve ser tratada sempre e ao mesmo tempo como um fim e nunca simplesmente como meio para realização pessoal de outrem. O conceito de dignidade humana, porém, não é o único relevante ao se tratar desse assunto, os países possuem soberania e podem criar e impor suas leis e regras sociais independentemente de qualquer legislação internacional. Sendo assim, mesmo que cada ser humano tenha direito a ser livre, ele ainda deve se submeter aos requisitos de cidadania da nação sobre a qual ele vive.

2. O direito à própria morte

Utilizando o conceito de dignidade humana discutido, pode-se então defender que, como o indivíduo é responsável por seus atos e é dono de seu destino, logo ele também deve ter a liberdade de decidir pelo fim de sua vida. Caso contrário, o direito à vida se torna uma obrigação do indivíduo, tornando aceitável que ela seja prolongada contra sua vontade, o que é uma clara violação da liberdade de escolha e da sua autonomia.

Entretanto, esse argumento não é o único fator que pode ser levado em conta na defesa da eutanásia. Pode-se recorrer à garantia dos direitos individuais, que engloba o direito à vida, liberdade e propriedade. Se uma pessoa tem o direito à vida, ela pode decidir se dispor desse direito da maneira que bem entender, desde que não prejudique os direitos de outrem, sendo assim, a decisão de retirar a própria vida deveria ser acatada como uma decisão do indivíduo de exercer seu direito sobre a própria vida.

3. O sofrimento como fator determinante

A eutanásia, é uma forma de dar fim a um sofrimento prolongado, pode partir de uma decisão pessoal do enfermo, que não consegue mais suportar ao nível de dor que está sendo submetido. Analisando por essa ótica, pode-se fazer uma analogia ao paciente terminal em extremo sofrimento com uma pessoa que está sendo torturada, pois, essa pessoa é incapaz de se proteger, e está sendo submetida a um sofrimento desnecessário, que degrada ainda mais sua condição física e psicológica.

O sofrimento torna-se então um fator determinante para que uma pessoa deseje terminar sua própria vida, porém, existem ainda os seus parentes, que inconformados com a situação, podem insistir na esperança de uma recuperação, prolongando assim o sofrimento do enfermo mantendo-o vivo mesmo contra sua vontade. Nessas ocasiões, caso uma pessoa não tenha mais capacidade de tomar decisões por si, ou seja, está em coma, estado vegetativo, ou entubada, a decisão da eutanásia caí sobre os terceiros, que muitas vezes podem forçar o paciente a continuar vivo. Um termo assinado e registrado em cartório previamente, que declare quais procedimentos devem ser realizados uma vez que constatadas situações similares às descritas, pode servir como uma ferramenta de resguarda contra esses empecilhos.

3.1. Solitário Anônimo:

Os próprios funcionários da saúde podem interferir com o desejo de morrer de uma pessoa, o documentário abaixo retrata essa realidade, contando a história de um senhor de idade que queria morrer de forma natural, e então parou de comer e treinou-se física e psicologicamente para a morte. Mas, foi impedido por uma decisão judicial ordenando que ele fosse alimentado e medicado contra sua vontade, expondo-o a grande sofrimento e desespero, um ato de extrema violência do estado contra o indivíduo.

A triste história de um senhor que simplesmente queria morrer naturalmente, mas foi obrigado a viver, algo que lhe causou extremo sofrimento e desespero.

4. Um direito fundamental

A eutanásia é um direito fundamental não só de um paciente terminal ou incurável mas de qualquer outra pessoa, pois assim, elas podem escolher terminar sua própria vida de uma forma digna, indolor e sem sofrimento. Além do direito de decidir sobre sua própria vida, um argumento menos relevante é que a permissão da eutanásia pode aliviar o gasto do setor público de saúde, que dispõe de leitos, medicamentos e pessoal para manter a vida de pessoas que já não desejam mais viver, e estão sendo mantidas em situações de extremo sofrimento e desespero. Que mais pessoas não precisem ser torturadas em nome de uma obrigação que está sendo imposta desrespeitosamente sobre aqueles que já não tem mais vontade alguma de continuar vivendo em sofrimento e são privadas do direito de tomada de decisão sobre o próprio corpo.

No vídeo abaixo, Adriano Facioli discorre sobre o impacto gerado no custo da saúde pública pela falta da legalização da eutanásia voluntária, além do prolongamento do sofrimento dessas pessoas.

Adriano Facioli discorre sobre o tema sob o ponto de vista da saúde pública, apesar de ser um dos pontos da argumentação, o mais importante deles é o argumento sobre a dignidade da pessoa humana.

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Murilo Costa
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