Seu melhor texto vai sair de um momento esquisito

Vírgulas mal postas e palavras que você não tem certeza do significado— Funciona, promete o clickbait

Julia Latorre
Viagem
4 min readJun 4, 2018

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Indigestão criativa, acontece

Quem se aventura pelo Medium já deve ter percebido, seu texto que deu certo não é bem aquele você percebeu que a keyword estava em alta, que seguiu as fórmulas promissoras do marketing de conteúdo ou o beabá da literatura.

Você estará cego enquanto escreve, de raiva, de amor, de dor de felicidade, de muita dor. Vomitando palavras que você mal sabe o significado, mas elas precisam estar ali.

Anos depois você ainda vai encontrar pontos fora da curva naquele texto. Mas vai se perguntar se vale a pena editar. Afinal, Guimarães não hesitou em deixar quando lhe saíram ‘nonadas’ e ‘circuntristezas’.

Seu melhor texto pode até seguir todas as estratégias do copywriting, os mandamentos do jornalismo, os conselhos de todas essas compilações do Medium sobre falas de escritores famosos e o segredo do sucesso.

Não bastasse isso, você ainda pode entuchar palavras chaves sugeridas pelo Google e enfeiar a escrita em nome do SEO e sua hierarquia de formatação, que promete ser a vara de condão das visitas orgânicas. Vital para quem sobrevive de conteúdo online.

Após analisar as estatísticas, você até já identificou vírgulas mal postas e a palavra mágica responsável pelas subidas das barrinhas de audiências. Mas deixando de lado sua capacidade de analise qualitativa e quantitativa quanto a este conteúdo, pense agora nas circunstâncias em que ele foi escrito:

Empatia não se cria, se compartilha

Escrever sobre certas coisas é uma exposição tão grande quanto postar a vida inteira no Instagram, colocar a cara para jogo no YouTube ou ter suas conversas do WhatsApp públicas. Deve ser uma escolha ciente.

Diálogo e intimidade empatizam e fidelizam. É uma permuta. Leitores nos oferecem tempo de vida em troca dos nosso aprendizados e tropeços com eles compartilhados.

Isso explica o começo desse texto. Sentimentos intensos saem naturais e para os que escrevem, eles se traduzem em palavras. O que não é fácil, é escolher compartilhar esse pedaço de você com uma audiência.

É fazer uma limonada, ou adicionar sal e tequila aos limões que a vida vai te dando. Mas é claro que essa limonada pode ser azeda demais para alguns e a tequila pode acabar em dor de cabeça.

Sentimentos genuínos geram conteúdo de qualidade

Por menos claro que pareça com os formatos de conteúdo que vêm surgindo, a qualidade ainda é a unidade fundamental do sucesso de um produto, não é mesmo?

No caso dos textos, é só pensar que escrever sob o calor do momento é estar registrando algo genuíno a partir do contato mais próximo e fresco possível com essa sensação.

Escrever a partir de pesquisas e entrevistas para sempre têm seu valor, reconhecimento e utilidade imprescindível na comunicação. Jornalismo vivo.

Só que colocar o sentimento a partir da sua experiência enquanto mortal faz daquele um conteúdo mais relevante para a humanidade e qualificado para os padrões do excesso de conteúdo online.

A identificação do leitor aumenta a partir do momento em que você também se assume humano, com sentimentos esquisitos, e não como um redator dono da verdade sem fontes confiáveis.

Respeite seu processo de criação

Tem a ver com aquela ideia de precisar vencer o cansaço que nos impede escrever sob o calor das impressões.

Mas ao mesmo tempo, se isso fosse uma dica fitness, poderíamos dizer que você precisa saber escutar e respeitar os limites do seu corpo, no caso, da sua criatividade.

Criar uma rotina de escrita é importante, poder do hábito, coisa e tal.

Mas é ainda mais significativo entender que é hora de parar o que você está fazendo, sacar o caderninho da bolsa e anotar aquela ideia, enviar uma nota a você mesmo com aquele trecho que surgiu no meio da reunião, acender a luminária no meio da noite para não se esquecer da ideia que tilintou entre sono e sonho…

É respeitar o seu ócio criativo e pausas contemplativas que, por alguns, são chamados de bloqueio mental. E isso pode implicar em não cumprir a rotina de escrita à risca, mas com respeito à qualidade das ideias que podem sair.

Aquilo que você considera o seu melhor texto, se o seu critério for audiência, não vai vai sair de uma estrutura mágica qualquer, apesar dos recursos que ajudam. Vem mais de uma espécie de vômito, um soluço, impossível de controlar. Não vai ser no momento, nem da maneira que você pensava que tinha de ser. Mas vai sair, em uma hora esquisita. Já está aí, no seu estômago.

Quando você perceber, já foi. Uma golfada tão forte que vieram vírgulas extras. Mas quanta substancialidade, as pessoas sabem. O seu texto mais tocante, provavelmente, foi a indigestão de um momento bem dos estrambólicos.

Se você curtiu o texto, bata palmas (de 0 a 50 👏👏👏) e siga a publicação para acompanhar os próximos.

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Julia Latorre
Viagem

Comunicadora especializada em gênero.♀ Escrevo aqui sobre o que dá vontade. linkedin.com/in/julialatorre