A diferença entre uma cantada e um elogio

Julia Latorre
Viagem
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2 min readJun 20, 2016

Era Cartola que tocava no meu Spotify, só esse ritmo seria capaz de dar conta da carência do pós-trabalho de um domingo longe do Brasil. Me deixei embalar pelo swing e cantava baixinho enquanto fazia o caminho de volta para casa:

- “A sorrir eu pretendo levar a viiidaaa….”

O fone não me deixou escutar o que o desconhecido falava rindo ao meu lado, fiz questão de saber o que era. Ele tinha me olhado nos olhos e nos dele não parecia haver malícia:

-Perdão, o que você disse?

-Ah, você está de fone. Achei que estivesse caminhando e dançando sozinha e achei lindo.

-Haha sim, estou escutando música.

-Agora faz mais sentido. Você dança e caminha muito bonitamente. De onde você é?

-Do Brasil e você?

-Da Inglaterra.

-Bom, eu vou por esse caminho. Foi um prazer e obrigada.

-Prazer em te conhecer. Tchau.

A minha autoestima melhorou na hora. O resto do meu domingo foi menos baixo astral. Até eu me pegar pensando se não tinha simplesmente caído em uma cantada de rua barata mascarada em simpatia.

Parei então para refletir sobre a diferença entre cantada, vulgo assédio, e elogio. Não tenho muitas cantadas autorais em meu histórico, tampouco cantadas de rua. Muito pelo contrário, abomino-as.

Mas os elogios, desses eu sei um pouco mais. Sei que elogio é tão gostoso dar quanto receber. Elogio a gente olha nos olhos e não precisa criar muita coragem nem estar protegido por um vidro de carro ou do outro lado da rua. Quando a gente faz ou recebe um elogio não temos medo de ser perseguidos pelo autor ou destinatário — a intuição diz. Elogio vem com respeito e não diminui ninguém.

A cantada de rua, veja bem, parece que elas não levantam a autoestima de mulher nenhuma, muito pelo contrário, nos fazem sentir um lixo. Os “fiu-fius” não nos deixam seguir em paz, às vezes trocamos o lado da calçada, abaixamos a cabeça e não olhamos nos olhos de ninguém. Outras vezes queremos chorar pelas coisas que escutamos.

Diante das circunstâncias, habemus elogio. Eu pude seguir em paz com o meu humor de mulher melhor do que há alguns minutos daquele instante. A música tocou e a sorrir eu continuei levando a vida.

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Julia Latorre
Viagem
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Comunicadora especializada em gênero.♀ Escrevo aqui sobre o que dá vontade. linkedin.com/in/julialatorre