Eles conheceram o mar

Foi a primeira vez que eles viram o sol, a nove mil quilômetros de onde nasceram. Após vinte e três anos de uma rotina enclausurada por tecidos que os deixavam sentir o calor da claridade natural a ponto de transpirarem, todavia a ponto de não respirarem.

Estavam pálidos como Branca de Neve. O que os deixou um pouco tímidos diante dos semelhantes que já se banhavam confortavelmente sob a luz do astro antes de eles chegarem.

Falando assim até parece hostil. Mas o que os deixou mais à vontade foram justamente os caralhos inofensivos que obedeciam à força da gravidade no ambiente de escrotos. Todos conviviam numa boa, cada um no seu lugar ao sol. Poucas trocas de olhares.

De primeiro momento os gêmeos, ainda tímidos, preferiram olhar só para a areia. Sentiram seu calor da forma mais direta. Se emocionaram com a sua própria coragem diante de seu histórico.

Ao espiar os companheiros já acostumados, foram se ambientando. Então miraram o céu e se demoraram a crer naquele azul iluminado. Se surpreenderam com o fato da falta de tecido que agora os expunha diretamente à luz natural os deixava mais frescos, ao contrário do que tinham imaginado.

Enquanto percebiam o céu ficaram um pouco tristes ao se lembrarem de como já foram desrespeitados na vida:

“Se assim é tão bom, porque não pode ser assim sempre? ”.

Sabiam que logo teriam que voltar para a sua realidade de arames e amarras apertadas. Onde no fundo o que todos querem é vê-los. Mas quando os espiam, um pedaço de pele que seja visto, quase nunca são tratados com inocência ou naturalidade. Quase sempre são tratados como objeto e têm seu simbolismo distorcido.

O gelado do protetor solar e uma brisa familiar os despertaram dos pensamentos tristes. Estavam prontos para conhecer o mar. Apontaram-no. Tão logo se perderam nas boas sensações de liberdade que o oceano traz a quem o contempla.

Agora queriam mergulhar.

Eles, os seios.