O tapa nosso na cara de cada dia nos dai hoje

Costumava dizer que São Paulo dá uns belos tapas na nossa cara. Mas foi só agora há pouco, em um ônibus lotado com barulho de criança chorando, após nove ininterruptas horas trabalhando, em Barce(joder)lona, que fui entender. Não é São Paulo, ou o cafundó do Judas, que esbofeteia nossa gana. Quem faz isso é ela, aquela culpada por esfriar relacionamentos e dizem que requerida para a saúde. Ela, a R-O-T-I-N-A.

Um metrô quebrado, uma tempestade inesperada, uma viagem de ônibus em pé, o vento gelado que bate na fuça de manhã antes do dia quente que vem pela frente, a mudança brusca de temperatura, o “bilhete único” que ficou em casa, a falta de sinal no celular, a catraca que não girou, o sanduíche frio que se estatelou, o e-mail importante que chega às 18h58… [insira perrengue do dia]

Tudo isso poderia ser história para contar se não fizesse parte do pão nosso de cada dia.

Já tem um punhado de dias que eu me pego pensando muito nos sentidos mais intrínsecos do termo “aventura”. Pesquisei definição, morfologia e ainda não estou certa da real força do simbolismo de tal vocábulo. Mas agorinha mesmo me convenço de que talvez um deles seja antônimo de rotina.

Sabe, são eles, os tapas na cara que a vida nos dá semanalmente, que fazem da saideira, da barra de chocolate devorada em segredo na cama com migalhas, do cinema, o sábado de sol [inserir pequenos prazeres], até do porre — tudo isso vira um um tesão.

Com isso, as aventuras (cada um sabe qual é a sua), vão tomando seu status de especialíssimas e individuais. Compartilháveis: sim. Transferíveis jamais.

Resistamos bravamente a esses tabefes. Afinal, são tapas. Tem gente que leva murro todo santo dia, por não ter o sanduíche, muito menos o ticket de transporte público, tampouco o trabalho. Edit: Tem mulher que leva murro todo santo dia, murro de verdade.

Demos a cara a tapa para a rotina em troca do pão nosso, que tem sabor de cerveja saideira e pode se converter em aventura. E (não) nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.

Amém.