Quanto custou essa roupa?

Pâmela Maidana
quemfezatuaroupa
Published in
7 min readNov 27, 2021

A indústria têxtil é uma das que mais polui no mundo. Segundo o Fashion Revolution, um movimento mundial que clama por maior transparência no mercado da moda, consumimos uma média de 10 mil litros de água para fabricar uma calça jeans e 8 mil para um par de sapatos. Em um ano, esse mesmo mercado consome mais de 90 trilhões de litros de água, o equivalente a 4% da captação anual de água doce no mundo. Mesmo que a indústria agropecuária seja responsável por 70% desse total, o debate acerca da indústria têxtil vem ganhando mais espaço nos últimos anos, sobretudo pela popularidade da Shein, empresa chinesa de fast fashion.

Na indústria têxtil, o modelo de produção mais utilizado é o fast fashion, onde roupas são produzidas em larga escala e são substituídas por novas em questão de meses ou às vezes dias, como é o caso é o caso da loja de varejo C & A. Para alavancar as vendas no e-commerce, a marca holandesa pretende criar pequenas coleções em 24 horas, com o objetivo de que as roupas sejam consumidas no calor do momento e que o produto seja vendido em um intervalo de um dia. Essa proposta tende a acelerar um processo que está consolidado no Brasil e no mundo.

Foto: Tomas Munit (New York Times)

Durante a pandemia, o setor já havia faturado R$ 185,7 bilhões em 2019, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). A categoria foi impulsionada pelas compras no e-commerce, com vendas que chegaram a 90,8 milhões apenas no primeiro semestre de 2020, de acordo com a pesquisa elaborada pela Ebit/Nielsen. A alta demanda somada a alta produção trouxe um velho questionamento para debate: quem produziu essa roupa?

Quanto custa uma peça?

Para produzir, é necessário matéria-prima e, no caso do fast fashion, quanto mais barato a matéria-prima, mais ela vai ser encontrada nas roupas. Ser mais barato também tem um preço para o meio ambiente, visto que o poliéster, um derivado do plástico, é muito usado na fabricação de peças. Esse tipo de material demora mais de 200 anos para se decompor. Segundo a professora do curso de Têxtil e Moda na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, Francisca Dantas Mendes,

“O problema é que ocorre a dispersão de um grande volume dessas micros e nanopartículas nos processos de tingimento, estamparia e, principalmente, na lavagem doméstica pelos consumidores”.

Uma das consequências ambientais disso é a poluição nos rios, como os das cidades de Lesoto e Tanzânia, que, segundo o The Independent, estão sendo tingidos de azul por conta das lavagens de jeans que as fábricas de fast fashion produzem. O site McKinsey levantou em 2020, que, lavagem, solventes e tinturas usados ​​na fabricação são responsáveis ​​por um quinto da poluição da água industrial.

A maioria da produção se dá em países asiáticos como China, Bangladesh, Vietnã e Indonésia. A produção nesses países barateia o custo da roupa, mas dentro Estados Unidos também existem fábricas destinadas a isso. Em 2017, o site Fashion Network mostrou que trabalhadores em Los Angeles passam em média 11 horas por dia dentro de uma fábrica confeccionando camisetas para a marca Forever 21. Esses funcionários recebem entre 6 e 7 dólares por hora, e em comparação, um vestido na mesma loja é comprado por 21,66 dólares.

Além do fast: o slow fashion

Em 2015, quando a Netflix lançou o documentário The True Cost, mostrando qual o valor real de uma peça de roupa, o debate sobre sustentabilidade começou a ganhar mais força. O documentário também explora as consequências ambientais das fast fashion, assim como o consumismo desenfreado dentro do capitalismo. Mas quais seriam as alternativas?

Em 2015, quando a Netflix lançou o documentário The True Cost, mostrando qual o valor real de uma peça de roupa, o debate sobre sustentabilidade começou a ganhar mais força. O documentário também explora as consequências ambientais das fast fashion, assim como o consumismo desenfreado dentro do capitalismo. Mas quais seriam as alternativas?

A busca por roupas mais sustentáveis que não agridam o meio ambiente não começou agora. Nos anos 1970, os movimentos hippies nos Estados Unidos já buscavam alternativas para as roupas produzidas em massas, assim como utilizavam peças de segunda mão encontradas em thrift stores, os chamados “brechós” no Brasil. O gráfico a seguir mostra a evolução do movimento passando pela criação do termo em 2007, pela professora Kate Fletcher, até o movimento #PayUP, de 2020, onde trabalhadores se reuniram para exigir melhores condições de trabalho e salário.

Foto: Pay Up Fashion

A ideia do slow fashion vem de um conceito cunhado por Carlo Petrini em 1986, sobre slow food. A ideia visa a alimentação como algo de qualidade, saudável, local, ao invés das comidas fast food, que possuem ingredientes que prejudicam a saúde física e mental das pessoas. Ao falar com o The Ecologist sobre o termo em 2007, Kate Fletcher disse o seguinte:

“Slow Fashion é sobre escolha, informação, diversidade cultural e identidade. Ainda que, criticamente, também é sobre saber balancear. Requer uma combinação de rápida mudança imaginativa e expressão simbólica (moda), bem como durabilidade e envolvimento de longo prazo e produtos de qualidade”.

Na prática, como isso funciona?

Consumidores adeptos ao slow fashion optam muitas vezes por comprar roupas usadas em brechós. E esse mercado, segundo ThredUp — uma loja online de brechó -, vem crescendo exponencialmente. Usando dados da empresa GlobalData, o brechó estima que o dinheiro movimentado pelo setor pode chegar a US$ 64 bilhões em 2028. No entanto, o setor de fast fashion deve crescer US$ 43 bilhões, no mesmo período.

Brechós já se tornaram uma realidade em diversas cidades do Brasil e, sendo assim, a moda circular vem se tornando mais presente. A expressão se baseia na economia circular e, ao invés de uma peça ir para o lixo depois de um curto período com os consumidores, ela passa por alguns reparos, depois para reciclagem, voltando para a fabricação. Dessa forma, uma peça que seria jogada fora, passa a ter outro destino.

No entanto, passar para frente alguma roupa não resolve totalmente o problema. De acordo com o EPA, Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, 62% das roupas usadas vão parar em aterros, aproximadamente 15% dessas roupas podem parar em thrift store. Ana Sueder, estudante de moda na Feevale e representante do Me Veste Canoas — uma plataforma com foco na moda circular -, explica que o valor tangível das peças mudou nos últimos anos.

“Hoje tem brechós abarrotados de roupas vintage e antigas, e as peças que a gente tem hoje no fast fashion elas não duram tanto, mas elas têm um valor intangível muito maior por exemplo, o que estava na passarela ontem já está nas lojas hoje, as peças tem um valor material muito pequeno porque a pessoa vai usar pouco então as fast fashion se aproveitam dessa lacuna do valor tangível”.

Ana, assim como Gabriela Basso (estudante de Design, 23), Luana Pilmmann (estudante de jornalismo, 23) e Laura Viola (Bacharel em História, 26), vê no brechó uma alternativa sustentável de consumo de roupas. Gabriela, Luana e Laura relataram que pouco tem contato com roupas de fast fashion atualmente, mesmo que às vezes consumam algumas peças.

Além da hashtag: quem faz e quem produz

Além dos brechós, a alternativa ao fast fashion, são as marcas que produzem pensando na qualidade ao invés da quantidade. Duda Borda lançou a MADUBÔ, uma marca autoral que veste do tamanho 34 ao 44. A ideia do projeto surgiu ainda quando Duda fazia faculdade de moda, mas só foi oficializada em novembro do ano passado. “Desde o primeiro semestre eu já sabia que queria ter a marca, mas ainda era tudo no plano das ideias. Percebi que eu precisava segmentar. Decidi focar na marca depois da graduação, mas a ideia nasceu ainda na faculdade”.

O debate acerca do fast x slow está mais do que presente nas redes sociais. Jessica Alves, formada em Moda, conta que foi a universidade que a fez repensar seus hábitos.

“Foi como se uma chave tivesse virado dentro da minha cabeça. Quando eu ia no shopping eu olhava as vitrines e sempre acabava comprando alguma coisa, mesmo que eu não estivesse precisando. Via, achava bonito, e comprava. Depois dessa aula eu comecei a me questionar muito sobre o assunto, e fui gradativamente diminuindo as compras. Deixei de passar pelas lojas porque sabia que ia querer levar algo. A primeira que eu deixei de comprar foi a Forever 21.”

Hoje, Jessica tem uma relação mais saudável com essa questão e admite, que se tem vontade e dinheiro, acaba comprando alguma peça, fazendo compras mais conscientes. Ela usa o Instagram, onde possui mais de 1.500 seguidores, para mostrar como a indústria funciona, sua relação com o consumo e as roupas que veste. Para ela, o Instagram precisa ir além da hashtag e o #OOTD (look do dia). “A sustentabilidade não é uma corrida. Você não é mais sustentável do que outra pessoa porque faz dez coisas enquanto outra pessoa faz 5”, finaliza.

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