A diferença entre valuation de captação e de Exit

Anderson Wustro
Questum
Published in
8 min readJul 22, 2020

Captação Vs Exit: assimetria de valuation?

Seja para fundraising ou para estimar o valor de saída de uma startup, o assunto valuation é sempre um ponto de interrogação na cabeça dos empreendedores. Em nossas interações com aqueles que captaram investimento e agora estão em fase de saída (Exit), vemos que uma das principais dúvidas que surgem é sobre como estimar o preço justo de venda. E esta questão se desdobra, ainda, na expectativa de que os parâmetros e múltiplos de um valuation de captação sejam os mesmos utilizados em um Exit. Mas, será que isso é verdade?

Sim! Existe uma disparidade entre estes dois momentos (captação vs. Exit). Por isso, resolvemos compartilhar nossa experiência sobre como o mercado se comporta em cada um desses momentos e suas relações.

Neste artigo, abordarei (1) o racional de valuation no momento de captação de uma startup, (2) a precificação de companhias listadas na bolsa e (3) as aquisições realizadas por empresas de tecnologia no mercado brasileiro. Para facilitar, apresentarei apenas empresas com modelo de negócios SaaS e vou me restringir a trabalhar com um múltiplo central de fácil entendimento e de grande utilização no mercado.

Não será aprofundada nenhuma metodologia de avaliação de startups ou de companhias listadas na bolsa. Caso tenha interesse sobre os temas, você pode encontrar mais informações nas entrevistas que tive a oportunidade de fazer com o Amure Pinho e o Edson Rigonatti, e nos livros de Aswath Damodaran ou Alexandre Póvoa sobre Valuation.

Valuation no momento de captação

“Ideas are cheap. Execution is everything” — Chris Sacca

Ao avaliar uma startup para investimento, VCs entendem que grande parte de seu valor está no futuro e que, ao investir, estão “comprando” o ingresso para um barquinho que pretende se tornar um navio ao longo do tempo; tanto em tamanho, quanto em valor. Por isso, Chris Sacca, famoso (e já aposentado) investidor americano, é muito preciso ao dizer que “execução é tudo”.

Ao analisarmos friamente os números de um negócio, chegaremos à conclusão que o valuation da startup não condiz com sua realidade financeira. E quanto mais incipiente o negócio estiver, maior será esta disparidade. Porém, a mentalidade do investidor neste momento é: quanto essa startup valerá dentro de 3, 5, 7 anos após utilizar o capital recebido e executar seu plano de crescimento?

Para ajudar na disseminação de boas práticas, a turma do fundo Point Nine Capital anualmente lança o SaaS Funding Napkin. Nele, temos algumas referências de Receita, Taxa de Crescimento, Valuation e Tamanho do Cheque para empresas de SaaS. Separei alguns números de 2019 para mostrar. Você pode ver mais detalhes sobre a tabela neste link.

Na tabela SaaS Funding Napkin você pode notar que, além da taxa de crescimento, tamanho e valor da rodada, temos as faixas de faturamento recorrente anual (ARR) e seus respectivos valuations. Estas duas últimas variáveis serão utilizadas para construir o racional deste texto.

Para precificar uma companhia no mercado financeiro, um dos múltiplos analisados é o Enterprise Value-to-Sales (EV/S) em que mede a relação entre o valor de mercado do negócio e sua receita de vendas anual. Gostaria de utilizar como equivalente o múltiplo de Valuation / ARR da tabela anterior.

Ao cruzarmos o valuation da rodada com sua Receita Recorrente Anual (ARR), encontramos múltiplos que variam entre 15 e 28x. Isto significa que, ao investir, o VC está pagando por ação da empresa entre quinze a 28 vezes o que a mesma gera em receita. Em outras palavras, a empresa está avaliada entre 15 a 28x sua receita.

Esta avaliação reflete a projeção do investidor em obter um retorno sobre seu investimento superior ao montante pago. Isto se deve a alta taxa de crescimento do negócio. Ou seja, o capital injetado na empresa, em troca de uma participação na sociedade, será suficiente para levá-la a um nível de receita que precifica a startup acima do valor pago.

Para tropicalizar estes valores, você pode utilizar a tabela do investidor João Kepler e fazer o exercício de divisão dos valuations pelos múltiplos mostrados anteriormente.

Precificação de companhias listadas na Bolsa

No extremo oposto, companhias listadas na Bolsa de Valores são, em sua grande maioria, empresas com estrutura organizacional, histórico de resultados e nível de governança que nos permitem ter maior previsibilidade sobre seu futuro.

Quando analisamos o múltiplo EV/S (Enterprise Value-to-Sales) de empresas de capital aberto, encontramos valores diferentes dos praticados em captações de investimento. Trago abaixo os valores e múltiplos de empresas de tecnologia listadas na B3:

Note que, mesmo sendo empresas com maior liquidez (possibilidade de compra e venda da ação em pregão diário), seus múltiplos variam em uma faixa que chega a ser cinco vezes inferior à de startups captando seus primeiros investimentos.

Um dos principais pontos desta assimetria é que as startups têm a capacidade de crescer centenas, ou até milhares de vezes ano após ano, tendo grande parte de seu valor no futuro — um cenário diferente de empresas de grande porte, que crescem a uma taxa anual mais modesta, normalmente de apenas um dígito, e, consequentemente, têm a maior parte do seu valor no presente.

Tom Tunguz foi muito assertivo neste artigo quando exemplificou que, em um negócio com 100% de crescimento no primeiro ano, 90% no segundo e 80% em seu terceiro, sua receita terá aumentado aproximadamente 6,9x. O que significa que 85% do valor da companhia será criado nos próximos três anos.

Já para uma empresa com crescimento de 10% a.a., 77% do seu valor está no presente e apenas 33% será gerado no mesmo período. E é neste cenário que as instituições de maior porte se encontram. A maior parte de seu valor está contido no presente, tendo assim, múltiplos que refletem mais sua situação atual do que seu futuro.

A relação entre múltiplos e Exits de startups

Uma vez esclarecida a diferença entre os dois momentos de uma companhia, como funciona a relação entre as companhias compradoras (buy-side) e as startups/empresas que serão vendidas (sell-side)? Ou melhor, qual a faixa de múltiplo que o lado comprador está disposto a pagar para fazer a aquisição de uma startup?

É importante mencionar que não há uma fórmula mágica para definir o valor da transação em operações de M&A. Existem aquisições estratégicas em que a parte compradora está disposta a ofertar um valor com múltiplos superiores aos historicamente pagos em empresas similares. Isto dependerá da proposta de valor que a startup trará à mesa ou a necessidade do comprador em ter acesso ao que é oferecido.

Apesar da expansão do mercado brasileiro de Fusões e Aquisições nos últimos anos, as informações das transações realizadas são reveladas com pouco detalhe, em sua maioria. Nos casos de Exits de empresas de tecnologia, a divulgação geralmente se restringe ao valor da aquisição, mantendo o restante das informações em sigilo.

A boa notícia é que, mesmo com poucas empresas de capital aberto no segmento tecnológico no Brasil, temos dados que nos mostram quais foram os múltiplos realizados em suas aquisições. Veja a tabela abaixo:

Note que o múltiplo “valor da empresa (aquisição)” versus “receita” fica entre 1,3 e 4,6x, com uma mediana de 2,9x em ambos os casos. Números, estes, significativamente inferiores aos de captação de startups ou de valor de mercado das companhias listadas.

Refletindo sobre estes dados, acredito que temos dois grandes aspectos que contribuem para essa diferença entre múltiplos e exits de startups.

O primeiro é sobre o que mencionei anteriormente: o valor presente vs. valor futuro. Assim como no caso de empresas de capital aberto, a parte compradora avalia o negócio como ele é no momento da aquisição, considerando a maior parte de seu valor no presente e explorando sinergias entre as partes no futuro. Já o VC espera uma saída no médio/longo prazo, quando as projeções de crescimento se realizarem e, consequentemente, a receita for superior.

O segundo aspecto é a sobre a diferença dos objetivos de um VC ao fazer um investimento em uma startup e os de uma companhia ao fazer uma aquisição estratégica. VCs jogam no modelo “go big or go home”, apostando suas fichas em negócios com potencial de serem consolidadores de mercado ou até mesmo unicórnios. Já para as empresas que vão às compras, a estratégia normalmente é baseada em acesso a novas verticais, adição de novos produtos e serviços ou expansão da carteira de clientes. Neste caso, as aquisições têm por objetivo fortalecer o grupo econômico comprador, seja para torná-lo líder em seu segmento, entrar em novos mercados, reforçar o mix de produtos, entre outros.

Uma vez destacada esta assimetria entre os valores, cabe ao empreendedor refletir sobre a jornada que quer seguir.

Seja para ser adquirido ou fazer IPO, deixo algumas perguntas pertinentes: qual é o seu preço/valuation alvo? Este valor “cabe” no mercado? Apesar de seu desejo, é possível atingi-lo considerando todas as variáveis que estão em jogo? Independente da resposta, conte conosco para ajudar.

Considerações finais

  • Existe uma assimetria de valuation na etapa de captação de investimento e na etapa de Exit (venda da startup). O múltiplo utilizado para aquisição de seu negócio será menor que o de fundraising;
  • Em cada fase da empresa são analisados e considerados fatores diferentes para precificar o negócio. Tanto fatores qualitativos quanto quantitativos. Considere isto de acordo com a situação em que sua empresa se encontra;
  • O múltiplo EV/S é um dos mais comuns ao analisar uma empresa e foi utilizado aqui como espinha dorsal para exemplificar as diferenças de cada estágio. Porém, ele está longe de ser o único fator analisado. DRE, Balanço, Fluxo de Caixa e várias outras variáveis são usadas para avaliar um negócio, seja para investimento ou operação de M&A;
  • É possível estimar a faixa de maior probabilidade de saída de seu negócio com base no histórico de aquisições realizadas no Brasil e seus múltiplos. Aqui foi mostrado um exemplo apenas de empresas de tecnologia com receita recorrente, porém, você pode pesquisar estas informações de acordo com o seu segmento de atuação e modelo de negócio;
  • Se o potencial comprador de sua startup disponibiliza estes tipos de informações, possivelmente seu negócio será avaliado dentro da faixa de múltiplos de aquisições já realizadas pela companhia ou mercado;
  • Pode-se notar que nenhuma das empresas adquiridas ultrapassou 10% do faturamento total do buy-side. Ou seja, compradores realizaram a aquisição de empresas que representam até 10% de seu faturamento anual. Este fato pode lhe ajudar a definir o rumo de seu negócio. Venda para comprador estratégico ou consolidação de mercado?

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