Foto conceitual com várias revistas, de diferentes lugares e contextos, empilhadas como um grande acervo de banca.
Photo by Charisse Kenion on Unsplash | Imagem: várias revistas empilhadas, de diferentes assuntos.

Benchwriting | Quais são as nossas referências em UX Writing?

Karine Lima
QuintoAndar Design
8 min readOct 1, 2021

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Quando falamos de processos em Design, é imprescindível olhar para fora e fazer benchmarking para coletar inspirações e outras perspectivas para determinadas soluções. Mas, e quando o foco é conteúdo, como isso é (ou deveria ser) feito?

Benchwriting é nosso neologismo para falar da análise de referências de Design focadas em UX Writing.

Nós, Karine Lima e Natalia Petrosky, ambas em contextos UX Writer-Cross aqui no QuintoAndar, queremos dividir nossas aplicações e aprendizados depois de realizar alguns benchwritings por aqui.

🇺🇸 English version here

  1. Por que fazer benchmarking para UX Writing?
  2. Como fazer e qual o melhor formato de benchwriting?
  3. Aplicações de benchwriting em projetos
  4. O que já aprendemos fazendo benchwriting
  5. Quais são nossas referências em UX Writing?

1. Por que fazer benchmark para UX Writing?

Você já sabe que UX Writing é uma disciplina carregada de bagagem metodológica e de técnicas específicas. Isso significa que a discussão sobre flexão de gênero em produtos digitais, por exemplo, é só a ponta do iceberg.

Adaptações e criações que envolvam conteúdo não surgem do nada e nem se consolidam do nada. Fazer um compilado de referências sobre a forma como uma interação resolve determinado problema através do conteúdo, ou como aquela tela específica consegue melhorar aquela conversão por causa de um ajuste de linguagem, é uma forma de aprimorar o repertório como profissional UX Writer.

Mas não adianta compilar vários prints. Print por print vira um mural de colagens.

É preciso entender porque aquele exemplo é interessante ou porque não faz sentido — as falhas, os insights, as vantagens, os poréns. Use e abuse de setas, rabiscos, remendos, questionamentos, marca-textos e todos os recursos visuais de análise crítica. Quanto mais treinarmos o olhar apurado para diferentes cenários e contextos, mais rápido vamos conseguir desenvolver soluções melhores para nossos conteúdos (sejam eles textuais, iconográficos, imagéticos, estruturais, etc.).

Mural de ideação com vários post-its preenchidos.
Photo by Daria Nepriakhina on Unsplash | Imagem: mural com vários post-its preenchidos.

2. Como fazer e qual o melhor formato de benchwriting?

Parece clichê, mas o melhor formato depende do seu objetivo, do nível de profundidade e detalhe que você quer trazer, e de qual é o público desse benchwriting.

Por aqui, testamos algumas opções que você pode adaptar para se encaixar à sua realidade. Esses formatos não possuem alta complexidade então, se você não possui familiaridade com ferramentas de prototipação como o Figma, nada tema!

| Google Sheets |

Prós: você consegue documentar todas as telas no formato de fluxo, detalhar o momento da jornada e trazer propostas de conteúdo.

Contras: é um pouco difícil visualizar os detalhes da tela e realçar informações e análises de forma mais específica. Além disso, se o bench tiver muitos exemplos, pode ficar difícil visualizar a comparação do todo.

| Google Slides |

Prós: ponto positivo para marcações visuais. Fica mais fácil realçar nossas análises por meio dos recursos do próprio Slides (uso de destaques e setas). Além disso, o formato já fica pronto para apresentações, e mais acessível para que pessoas de diferentes áreas possam colaborar com observações.

Contras: como o espaço por slide é limitado, você não consegue ter a visão macro caso o benchwriting seja focado em um fluxo completo de uma funcionalidade, por exemplo. Pode ser mais interessante utilizar a plataforma para compilar referências mais pontuais.

| Figjam |

Prós: (pode ser uma sugestão suspeita, já que foi o formato que mais funcionou para nossos times) Conseguimos aproveitar o melhor dos dois mundos do Slides e o Sheets em um só lugar. No Figjam, você consegue documentar o fluxo todo e pode abusar dos recursos visuais para deixar a análise ainda mais clara e detalhada.

Contra: ainda há algumas limitações de formatação, principalmente quando comparado ao clássico Figma.

3. Aplicações de benchwriting em projetos

Selecionamos três projetos onde cada benchwriting exerceu funções diferentes ao longo do processo de design aqui no QuintoAndar.

/ Fase de Discovery /

Contexto: descoberta para uma nova funcionalidade/solução

Objetivo: conhecer soluções de outros players (concorrentes ou não) para trazer referências do mercado, e entender o que funciona para evitar erros na nossa nova funcionalidade.

GIF com vários prints de exemplos relacionados à Fase de Discovery, ilustrativos e em baixa resolução.
Acervo pessoal | Imagem: GIF com exemplos relacionados à Fase de Discovery.

/ Fase de Diagnóstico /

Contexto: análise da régua e fluxo de e-mails de recomendação

Objetivo: mapear comunicações diversas (do mercado imobiliário e do mercado de e-commerce) para um projeto de recomendação de imóveis, entendendo arquitetura de informação, construção de experiência, linguagem, traduções, relação com posicionamento da marca e fluxos de descadastro.

GIF com vários prints de exemplos relacionados à Fase de Diagnóstico, ilustrativos e em baixa resolução.
Acervo pessoal | Imagem: GIF com exemplos relacionados à Fase de Diagnóstico.

/ Fase de Criação de Referências /

Contexto: construção de repositório para o time de UX Writing

Objetivo: reunir exemplos atuais de aplicação de UX Writing junto da visão de experiência do usuário, considerando diferentes marcas, áreas de atuação, interfaces e pontos específicos de jornada.

GIF com vários prints de exemplos relacionados à Fase de Fase de Criação de Referências, ilustrativos e em baixa resolução.
Acervo pessoal | Imagem: GIF com exemplos relacionados à Fase de Criação de Referências.

Nesse arquivo, foram (e estão sendo) mapeados: experiências e cases com foco na iteração de conteúdo, contextos específicos de aplicação de técnicas de escrita, e evolução de cenários em telas padrão (aviso, carrinho abandonado, checkout, erro, feedback de ação, formulários, gerenciamento de notificações, login, onboarding, profiling, rastreamento, redefinição de senha, reviews, sucesso e unsubscribe). O arquivo é vivo e constantemente atualizado.

4. O que já aprendemos fazendo benchwriting

O exercício de fazer bench para conteúdo aprofundou discussões com stakeholders, ampliou novas possibilidades, e até amadureceu nossa visão crítica sobre flexibilizar algumas regras:

“Primeiro é preciso conhecer as regras para depois quebrá-las.” — David B. Agus

I) Nunca diga nunca

Não se apegue a regras como se fossem imutáveis. Cada caso é um caso, e ao falar de experiência do usuário, o contexto é fundamental para decidir quando usar ou não determinada palavra ou expressão.

  • Uso de jargões

Sempre ouvimos por aí que precisamos deixar a informação clara sem deixar margem pra dúvidas, e faz todo o sentido.

O que não faz sentido é generalizar que “não podemos usar jargão sob hipótese alguma”. Antes de mais nada, é preciso entender a função do produto e o contexto em que o termo vai ser aplicado.

Por exemplo, se o produto é um aplicativo de investimentos, por que não usar termos relacionados ao mundo financeiro? Não precisamos descobrir novos termos o tempo todo para facilitar o entendimento — isso pode, inclusive, gerar mais dúvida. Se a pessoa já tem familiaridade com serviços de investimento, como fazer a correlação das novas expressões? Pode ser que a melhor saída seja mais sobre explicitar o que significa o termo em si e menos sobre reformular novas nomenclaturas.

Exemplo de antes e depois sobre a melhor aplicação de jargão em cenário de banco. "Sua aquisição em grupo" poderia simplesmente ser "Seu consórcio".
Acervo pessoal | Imagem: exemplo de antes e depois sobre a melhor aplicação de jargão em cenário de banco.
  • Voz passiva

Assim como o jargão, a voz passiva também é um ponto a discutir e considerar, dependendo do contexto.

Quem está fazendo a ação? O produto ou o sistema? A voz passiva pode ser uma maneira de trazer uma informação de forma mais leve quando estamos falando sobre um assunto delicado, como quando algum pagamento está atrasado.

Em vez de colocarmos a “culpa” no usuário e criar um sentimento de frustração e desconforto, podemos nos apoiar na voz passiva para driblar esse obstáculo.

Exemplo de antes e depois sobre a melhor aplicação de voz passiva em cenário de banco. “Você não realizou o pagamento da sua assinatura” poderia simplesmente ser “O pagamento da sua assinatura não foi identificado”.
Acervo pessoal | Imagem: exemplo de antes e depois sobre a melhor aplicação de voz passiva em cenário de banco.

II) Tenha cuidado com as traduções literais

Traduzir ao pé da letra pode parecer ser o caminho seguro mas, quase sempre, provoca equívocos de compreensão.

Exemplo Spotify 1, com prints de telas sobre a variação idiomática sobre o fluxo de cadastro de conta.
Acervo pessoal | Imagem: telas de criação de conta do Spotify nos idiomas Inglês, Português, Espanhol e Francês.

Exemplo Spotify 1: a contextualização da tradução em inglês Listening is everything para português possibilita que a fala não soe capacitista e reducionista — ao invés de Escutar é tudo (julgamento de valor), temos a sutileza de Escutar muda tudo (julgamento de fato). Nas demais traduções: para o francês, há o trabalho com uso de vírgula e o reforço do termo Spotify acompanhado na chamada; para o espanhol, o Spotify Free é traduzido exclusivamente para Spotify Gratis.

Acervo pessoal | Imagem: telas de acesso ao web player do Spotify nos idiomas Inglês e Português.
Acervo pessoal | Imagem: telas de acesso a versão web do Spotify nos idiomas Inglês e Português.

Exemplo Spotify 2: Jump back in, em inglês, traduzido ao pé da letra, seria algo como Pule de volta, em português. Aqui, a contextualização foi importante para adicionar carga afetiva em Suas músicas estão com saudade, adicionar familiaridade de termo com Continue curtindo de onde parou ao invés de Pegue sua música certa onde você deixou, e o direcionamento mais claro e usual de Acesse o web player, ao invés de Abra o web player.

Exemplo Amazon, com prints de telas sobre a confusão idiomática Inglês e Português na navegação pela Home.
Acervo pessoal | Imagem: telas com abordagens diferentes na Amazon.

Exemplo Amazon: é comum navegar por páginas que estão partes em inglês, partes em português e trechos de traduções literais de uma língua para a outra. A própria Amazon esclarece que (1) a tradução é quase que automática e limitada ao português do Brasil, espanhol, “chinês simplificado” e alemão, e (2) a versão definitiva é no idioma inglês. Assim, como fica a percepção de experiência para cada usuário fora da predominância da língua inglesa?

III) Estarmos acostumados não significa ser a melhor opção

Um olhar crítico para a experiência do conteúdo exige analisar além da popularidade da marca e do benefício do produto ou serviço. Fazer apontamentos na comunicação não diminui o "objeto" analisado.

Tudo bem adotarmos posicionamentos críticos em relação ao Spotify, Netflix, Amazon, Apple e Google. Eles são referências inegáveis de tecnologia e qualidade de serviço, mas não são referências em UX Writing para o Brasil. Sabemos muito pouco sobre os times de fora e o dia a dia de UX Writers de grandes empresas internacionais. Existem times encarregados da localização do conteúdo para o Português BR? Existem times nativos? Como a cultura, os costumes e os regionalismos na comunicação são estudados?

As pessoas não consomem determinado serviço porque o UX Writing daquela empresa é impecável, e tampouco deixam de consumir porque o UX Writing deixa a desejar.

Mas a experiência pode ser melhorada, mais rápida, mais simples, mais autônoma, sim, por causa de um trabalho minucioso de UX Writer.

5. Portanto, quando falamos em UX Writing, quem é ou quais são nossas referências?

Resposta curta: ninguém e todo mundo.

Resposta longa: existem empresas para nos inspirarmos, mas nunca existirá uma única fonte da verdade. O melhor texto em determinada tela de boas-vindas de determinada empresa pode ser excelente, mas isso não significa que todas as comunicações dela funcionarão em absolutamente todos os contextos.

Questione, critique com olhar maduro e respeitoso àquelas decisões, estresse as possibilidades, considere exemplos não-óbvios, inclua empresas desconhecidas e treine a habilidade analítica do todo.

Nem sempre letras maiúsculas em botões serão condenáveis, nem sempre adotar tom de voz engraçadinho será adequado, nem sempre flexionar o gênero será uma questão, e nem sempre aquela tela de fato precisará de texto.

Na experiência do usuário e, principalmente, na experiência de comunicação com o usuário, fuja de extremismos, de comparações simplistas e de constatações universais.

Nada é, tudo está. E, provavelmente, por um bom motivo.

Foto das duas escritoras desse artigo, Karine Lima e Natalia Petrosky, com reforço do nome QuintoAndar no contorno.
Este artigo foi idealizado e escrito por Karine Lima e Natalia Petrosky, ambas UX Writers do QuintoAndar.

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Karine Lima
QuintoAndar Design

designer gráfico, designer de produto e content designer. esportista, hiperbólica e desmistificadora de breguices.