Design como uma ferramenta de inclusão: como começar a falar de acessibilidade na sua empresa

Ideias e dicas práticas para o designer que quer começar a criar um mindset de acessibilidade no seu ambiente de trabalho.

Iana Alves
QuintoAndar Design
7 min readJun 6, 2019

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Logo depois de terminar o ensino médio, entrei na faculdade para cursar Comunicação Visual Design e apesar de gostar bastante da proposta do curso, sempre me senti bastante incomodada com o nome do mesmo.

Por que encarar o design como comunicação apenas visual?

Quando consideramos somente o aspecto visual durante o processo criativo, estamos automaticamente excluindo as milhares de pessoas que não podem enxergar. O mesmo é válido se considerarmos qualquer outro tipo de deficiência.

Segundo dados do IBGE de 2010*, cerca de 45 milhões de brasileiros declararam possuir alguma deficiência.

Não levar essas pessoas em consideração na hora de pensar um produto significa excluir automaticamente um quarto da população brasileira.

Você já parou para pensar que a sinalização sonora utilizada em aeroportos não consegue comunicar a última chamada do voo para um passageiro surdo? Quais são as consequências do passageiro não receber essa informação? Será que ele consegue ficar tranquilo e ter uma boa experiência em um ambiente que depende tanto de comunicação sonora?

Imagem em preto e branco de um homem de costas sentado sozinho em um banco de aeroporto. Foto por Suganth on Unsplash

O design é uma ferramenta extremamente poderosa que pode ajudar a resolver essas questões e fazer todas as pessoas se sentirem respeitadas e incluídas na sociedade.

Acessibilidade em produtos digitais

A área de produtos digitais é bastante promissora nesse sentido. As empresas que desenvolvem esses produtos têm a faca e o queijo na mão para causar um grande impacto na vida de pessoas com deficiência e promover inclusão, mas infelizmente ainda deixam muito a desejar. Por que isso acontece?

Infelizmente, a ideia de que desenvolver um produto digital acessível é muito caro, difícil e demorado acabou sendo muito difundida. O problema com essa ideia é que é muito mais difícil tornar um produto acessível quando a sua estrutura inicial não foi pensada para isso.

Descrição: Imagem com duas pessoas, uma delas utilizando um computador enquanto a outra faz anotações no caderno — Foto por José Alejandro Cuffia on Unsplash

É aí que entra a nossa responsabilidade como designers. No processo de desenvolvimento de produto, somos vistos como representantes do usuário. E devemos nos perguntar: estamos sendo realmente empáticos e fazendo o nosso trabalho quando só consideramos os padrões de comportamento e navegação de usuários dentro de um padrão idealizado?

Mary Pat Radabaugh, ex-diretora do Centro Nacional de Apoio para Pessoas com Deficiência da IBM já dizia em 1991: Para as pessoas sem deficiência a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis.

Se para um usuário sem deficiência pode ser frustrante ter uma experiência ruim usando um produto, imagine para uma pessoa com deficiência, onde esse mesmo produto pode ser a única forma de realizar uma tarefa de maneira independente.

Somos responsáveis por evocar experiências positivas e gostosas para as pessoas, mas nossa expertise nos permite ir muito além disso. Se levarmos a acessibilidade em consideração na hora de projetar nossos produtos, podemos eliminar barreiras e colaborar com melhorias e mudanças na vida de pessoas que foram, por muito tempo, ignoradas.

Mas por onde começar?

Não é uma tarefa fácil estabelecer o mindset de acessibilidade dentro de uma empresa, mas também está longe de ser impossível. Abaixo, listo alguns passos que me ajudaram a "espalhar a palavra" da acessibilidade no QuintoAndar.

Pesquise, estude, aprenda

Existe muito material disponível online para dar o caminho das pedras para quem quer começar a entender sobre o assunto. Você não precisa se tornar um especialista em acessibilidade, mas é bom entender o básico para iniciar o assunto.

Envolva pessoas e busque ajuda

É bem provável que outras pessoas também tenham interesse no assunto dentro da sua empresa, mas também não saibam muito bem por onde começar a atacá-lo. Para encontrar essas pessoas vale tudo: além de divulgar o seu interesse com os seus conhecidos próximos, você pode propôr uma roda de conversa sobre acessibilidade ou até mesmo fazer uma apresentação sobre o valor da acessibilidade para a sua equipe.

Deixe clara a sua intenção de atacar esse problema. Recrute as pessoas interessadas para o seu time e mostre para elas o valor de criar um produto acessível. Vale apresentar números, depoimentos e o que quer que seja necessário para conseguir ajuda do maior número de pessoas possível.

Ouça o que o usuário tem a dizer

Assim como em qualquer projeto de design, esse é um dos primeiros e um dos mais importantes passos: entender o contexto do seu usuário. É importantíssimo sentar com uma pessoa com deficiência para ouvir dela quais são os problemas no seu produto e qual o impacto desses problemas na vida dela.

Recrutar usuários nunca é fácil, e a dificuldade aumenta em um contexto mais específico como esse. Caso você more em grandes centros, é possível encontrar pessoas com deficiência palestrando em eventos e dando workshops. Se aproxime dessas pessoas, se apresente e bata um papo com elas. Caso essa pessoa não tenha disponibilidade para conversar com você sobre o seu produto, talvez possa indicar alguém que tenha.

Testes de acessibilidade com a Camila Marinho, QA no QuintoAndar e deficiente visual. Descrição: Camila e Iana estão na foto, sentadas na mesa de trabalho. Camila utiliza o celular com fones de ouvido enquanto Iana observa.

Em último caso, também existem grupos no Facebook, LinkedIn ou Slack e também páginas e blogs que tratam do assunto. Você pode se conectar com algum usuário por lá.

Olhe para dentro da sua empresa

Existem pessoas com deficiência trabalhando com você? Sua empresa possui uma equipe diversa? Se a resposta para essas perguntas for não, é hora de tentar mudar esse cenário. Não basta querer construir um produto acessível se a sua própria empresa não abre espaço para as pessoas com deficiência. É através do convívio que se gera empatia.

Como último recurso, caso a empresa em que você trabalha demonstre resistência na contratação de pessoas com deficiência, vale citar a lei de cotas, que reserva de 2% a 5% das vagas de trabalho em uma empresa para PCDs. O não-cumprimento dessa lei é punível por multa e esse pode ser um bom argumento para que a empresa comece a olhar para esse assunto.

Entenda os problemas do seu produto

Designer, se coloque no lugar do seu usuário para entender como está sendo a experiência dele ao utilizar o seu produto. Além dos testes com usuários reais, também existem outras formas rápidas e fáceis de fazer isso.

  1. Leitores de tela

É possível fazer testes fáceis e rápidos no seu próprio telefone ou computador, caso você queira sentir na pele a experiência de um usuário que precisa usar um leitor de tela. Hoje em dia, todos os smartphones já vêm equipados com algum deles, sendo o Talkback o padrão para android e o VoiceOver para iOS. Também é fácil testar no desktop, já que os sistemas operacionais mais utilizados também contam com leitores de tela nativos, como é o caso do Narrator para Windows e o VoiceOver para Mac.

2. Ferramentas que simulam o daltonismo

Existem muitos sites e plugins que simulam como o seu site ou app seria visto por uma pessoa daltônica ou com problemas de visão. Você pode usá-los para conferir se o contraste do seu texto é suficiente, por exemplo.

3. Testes de vídeos sem áudio

Parece óbvio, mas passa despercebido: pessoas que não podem escutar também usam aplicativos e sites diariamente. Além disso, seu usuário também pode não poder escutar áudios por questões externas — ambiente barulhento, estar sem fone, etc.

Se o seu aplicativo possui elementos sonoros, você pode e deve testá-lo sem áudio para ver se ainda é possível usá-lo dessa forma.

O ideal no caso de aplicativos e sites que utilizam áudio é que todos os vídeos sejam legendados e que os feedbacks sonoros sejam acompanhados de dicas visuais para que nada seja perdido.

Algo que deve ficar muito claro aqui é que esses testes são somente iniciais e não substituem que o seu aplicativo seja testado por usuários reais que utilizam essas ferramentas diariamente.

Um produto acessível empodera a pessoa com deficiência e possibilita que ela realize tarefas cotidianas sem ajuda externa. Com a tecnologia cada vez mais presente nas nossas vidas, oferecer essa independência ao usuário com deficiência significa nos aproximar ainda mais de uma sociedade como a idealizada pelo psicólogo russo Vigotsky, em que a cegueira, a surdez ou qualquer outro tipo de deficiência é apenas uma característica que não impede que o ser humano viva uma vida plena e independente.

Se você quiser aprender mais:

Obrigada por ler! Se quiser bater um papo sobre acessibilidade, fique à vontade para me dar um oi no Twitter ou no LinkedIn ✌🏻

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