UX Writing em produto: a lógica por trás do conteúdo
Produzir conteúdo é algo que exige objetivo. É fácil perceber como o texto tem um direcionamento, assume funções diferentes dependendo de onde esteja aplicado e quais efeitos ele produz no leitor de acordo com o caminho que for tomando. Sempre enxerguei a construção textual de uma forma lógica e, entendendo sua dinâmica interna, como era mais fácil brincar com seus contornos e mexer na sua configuração.
Essa afinidade com o aspecto mais técnico foi o que me levou a escrever para experiência do usuário e, antes mesmo de saber o que era UX Writing em conceito, entendi que ao trabalhar com foco em produto a necessidade de atenção a essa questão lógica é ainda mais valiosa. O texto precisa estar alinhado à sua proposta, acompanhar sua evolução, se moldar no mesmo passo e ser o mediador entre ele e o usuário.
Construir e manter essa relação é algo sensível e precisa ser trabalhado com cuidado. UX Writing não é e nunca foi só escrever de forma concisa e clara, é também entender como humanizar e construir uma interação com o usuário, dentro do que o seu produto pode fornecer, e intermediar essa entrega. É algo que requer não só empatia, mas principalmente muito estudo e teste, que vão ditar o direcionamento do seu trabalho e te dar insumos para torná-lo não apenas mais embasado, como também mais modular. Sim, modular.
Assim como acontece na construção visual de interfaces, também é possível (e aconselhável, inclusive) estruturar e agrupar esse conteúdo de um jeito mais metódico. Isso torna a comunicação consistente, cria uma voz única, uma identidade, facilita a interação de usuários com deficiências ou transtornos e, além disso, agiliza seu trabalho e dá autonomia para que outras pessoas possam escrever e aplicar os textos na tela sem comprometer a comunicação do produto.
Ok, e como a gente sistematiza o conteúdo dentro de produto?
Vou resumir em alguns passos o que eu estou fazendo aqui no QuintoAndar e o que você também pode fazer para estruturar a estratégia de conteúdo na sua empresa.
1. Olhar o cenário macro para afunilar depois
Se o produto já existe, é legal começar a olhar para o que já foi feito de uma forma mais ampla. Isso vai te dar uma dimensão do trabalho que você terá pela frente e uma noção das incoerências que existem. Nesse passo, é legal observar:
- Como/se o tom de voz da marca está sendo trabalhado
- Se você tem a sensação de estar dentro do mesmo produto ou navegando entre produtos diferentes
- Se existem pontos críticos que saltam aos olhos
- Se existe variação de formalidade no discurso
Entre outras coisas que vão se manifestar nessa fase e que são muito importantes para trazer ideias e te direcionar para o que virá a seguir.
2. Estabelecer boas práticas
Existem algumas práticas que são básicas, mas, por não serem tão conhecidas, acabam sendo deixadas de lado ou não recebem a devida atenção. Algumas delas estão relacionadas a questões de acessibilidade, estabilidade do discurso, usos de expressões, regras de língua portuguesa etc. Outras são realmente variáveis e dependem da proposta do produto.
O importante é que, conhecendo o produto, você consegue estabelecer alguns parâmetros-chave para guiar o conteúdo.
Coisas simples para observar:
- Manter um paralelismo textual quando a ideia for a mesma
Se na sua página inicial tem 3 cards iguais, por que você começa um título com verbo, outro com substantivo e outro com artigo? Por que cada verbo está em um modo/tempo diferente? Uniformize o discurso. - Hierarquizar a informação
Informações mais importantes primeiro, complemento depois. - Dar direcionamentos objetivos
É importante não dar instruções de forma muito aberta e deixar o usuário sem saber para onde ir caso algo dê errado ou dar informações muito vagas. - Evitar começar frases com palavras negativas
“Não”, “Nunca”, “Impossível” etc.
3. Agrupar conceitos
Provavelmente o seu produto é acompanhado por uma marca com conceito, tom de voz e estratégia próprios. Entendendo quais são esses conceitos, mesmo que de modo mais abrangente, você consegue transformá-los em elementos estratégicos importantes.
Exemplo: se o tom de voz da marca é divertido e positivo, como você transforma isso em texto? Ok, agora, como isso se encaixa dentro do produto? Em que momentos isso pode/deve variar e em que momentos isso deve ser reforçado de uma forma que evidencie ainda mais o propósito do seu produto?
Fazendo um mapeamento desses momentos e suas aplicações, fica mais fácil definir as próximas etapas e organizar a produção de conteúdo.
4. Mapear problemas
É essencial mapear os problemas que existem, olhar as métricas de uma forma geral para entender quais têm sido as principais dores e como o texto pode resolver determinados casos.
Como produtos normalmente são divididos em partes distintas, é possível categorizar alguns desses problemas usando essa mesma lógica, assim fica mais fácil separá-los em grupos e pensar em soluções mais direcionadas para cada caso.
Encontre o problema, faça a análise, crie uma hipótese com base nas métricas analisadas e categorize.
Exemplo:
- Problema: Botões despadronizados.
- Análise: Os textos não são claros, alguns estão com verbos no imperativo, outros no infinitivo, alguns começam com substantivos, outros têm um direcionamento muito vago, são muito grandes etc.
- Hipótese: Botões que iniciam com verbos no imperativo performam melhor em casos de conversão e venda. Botões com verbos no infinitivo são mais adequados para passo a passo e outras ações que não envolvam venda.
- Categoria-mãe: Botões
- Subcategorias: (Conversão e venda) / (Ações gerais)
Depois disso, reserve os resultados para a fase de testes.
5. Separar componentes e outros itens
Como em Design System, podemos destrinchar o conteúdo em categorias para padronização. Nessa fase, começamos a selecionar banners, botões, links, listas, modais, input-text, alertas etc. (sim, todos, de tudo) para entender como eles estão, o que dá para padronizar e começar a estruturar esse texto.
Você pode organizar um documento com todas essas categorias para ter uma visualização mais clara e encontrar as inconsistências. Na prática, é difícil padronizar tudo a ponto do conteúdo ser sempre "copia e cola", mas em situações que se repetem e seguem uma mesma lógica, isso pode ser possível, ainda mais se o que for escrito estiver alinhado às decisões de Design System, por exemplo, que unifica componentes e deixa a experiência mais redondinha.
6. Estruturar opções
Com o documento organizado, é a hora de começar e planejar esse conteúdo. Lembra das métricas antigas que você analisou? É com base no que já foi feito no produto e no que deu mais certo que a suas decisões serão tomadas. É sempre melhor que você pense em coisas fora da caixinha (até porque nem sempre o que dá certo é porque está realmente legal), mas ter esses resultados como base vai te ajudar a entender melhor esse caminho e inovar com consciência.
7. Implementar, analisar impacto e confirmar hipóteses
Com os textos estruturados de forma sistematizada, já é possível começar a priorizar a implementação e a fazer testes para ver como eles influenciam o usuário e o seu produto. Você pode ir implementando e testando à medida que for escolhendo o novo conteúdo, isso agiliza o processo e, caso seja preciso rever algumas questões (e é provável que seja), você não perdeu tanto tempo esperando tudo ficar pronto.
8. Finalmente, padronizar
E depois de todo estudo, arquitetura da informação e organização do conteúdo, você finalmente vai encontrar padrões relevantes para deixar a comunicação do seu produto mais consistente, organizada e performando melhor. Com isso, você pode montar um guia e deixá-lo à disposição de outros designers, que conseguirão aplicar os textos de uma forma mais simples, agilizando os processos dentro da empresa.
Mini bio do ilustrador
Gabriel Soares é formado em Belas Artes pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Trabalha como Ilustrador, Designer Gráfico e conta histórias com suas ilustras no Instagram @gabit.h, vai lá ver.