Etimologias de beira de estrada

Quiquiriqui
Quiquiriqui
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3 min readFeb 5, 2018

Depois de Não-Me-Toque, não vamos para Invernadinha, porque passaremos pela Lagoa dos Três Cantos em direção a Espumoso, mas pegamos à esquerda para Tio Hugo. Então vamos reto até o Boqueirão do Leão e mais um pouco alcançaremos o Progresso. Chegando lá, existe a opção de ir a Sério, mas temos que ir para Travesseiro, porque através dele chegaremos em Encantado. Aí, virando à esquerda, temos que tomar cuidado com a bifurcação para Muçum, porque nosso foco é Doutor Ricardo, que é o único caminho para chegar até Anta Gorda.

Foram mais ou menos essa as indicações que dei para a Lis e o Xuxa, na minha função de copiloto, pelo nosso percurso de onze horas pelo interior do Rio Grande do Sul rumo a Xangri-Lá e, enfim, Torres. Confesso que nos perdemos algumas vezes, por minha grande culpa, já que me divertia com as placas que levavam os nomes das cidades e esquecia de olhar para o mapa. Deveria ter acreditado na sinalização e ido por Ourinhos.

Desde criança tenho certo fascínio por nomes de cidades e gentílicos, certamente porque meus pais desafiavam a mim e minhas irmãs, em uma era anterior ao GPS, a descobrirmos onde estávamos nas viagens de carro. Quando descobríamos, cabia ao meu pai explicar a origem: ali se fabricava muita pinga e o costume era a comer com goiabada, e com o tempo ficou conhecida como Pindamonhangaba. Já naquela região haviam muitas Pavas, uma ave extinta da família do Pavão, já que as pessoas iam até lá as caçar para comer, e daí surgiu Caçapava. Situação semelhante logo adiante, já que as pessoas viam muito jacaré por aí, e daí Jacareí. Subindo a serra, tudo ali era uma grande fazenda de um homem muito rico, que fez questão de dar o seu nome para os Campos do Jordão. O temor maior era Passa Quatro, cidade na qual se a polícia nos parasse mandaria alguém descer do carro, afinal éramos cinco, e essa pessoa teria que achar algum outro carro com três pessoas.

Depois de crescido resolvi ir atrás dos significados oficiais, e hoje ostento a inútil capacidade de indicar a origem do nome de todas as cidades que beiram a Via Dutra — com destaque para as de origem tupi — e sou um dos poucos cachoeirenses que explica porque Cachoeira Paulista não tem uma cachoeira. Isso sem contar os motivos de Aparecida, na verdade, não ser Do Norte. Infelizmente, ainda não encontrei ninguém disposto a me ouvir contar sobre nada disso.

Fato é que mudo roteiros de viagem para contemplar cidades com nomes simpáticos. Essa ideia surgiu em um dos planejamentos, nunca realizados, de conhecer o Parque do Xingu. Ao olhar o mapa vi que estaria próximo de Feliz Natal que é caminho para Sorriso, e hoje tenho convicção que preciso conhecer essas cidades tanto quanto o território indígena.

Esses dias, a Paula me deixou com inveja ao passar por Alô Brasil em uma viagem que não fui, mesmo convidado. Todo jeito, depois da aventura gaúcha, sonho uma aventura nordestina na qual também possa conhecer, de uma só vez, Pessoa Anta, Veado Velho, Nenelândia, Brejo das Freiras e Casinha do Homem. Já Nova Iorque só me interesso pela maranhense que irei depois de Tuntum e Cacimbão.

Adoraria voltar ao tempo para ver em que circunstância o nome desses lugares surgiu, depois o que o levou a se consolidar até o ponto de ser oficializado pelos moradores. Deve ter sido glorioso o dia que os tocantinenses questionaram “Fica combinado que aqui chama Combinado?”. Meu sonho é algum dia ter influência na decisão do nome de uma nova cidade, mas me contentaria com um bairro ou mesmo um nome de rua, que batizaria de Recanto do Cafuné, Baguncinha Gostosa ou Silêncio Taciturno, cujos gentílicos seriam recantocafunense, bagunçogostosero e taciturniano.

O maior revés dessa fixação talvez esteja na síndrome de Sílvio Santos que venho adquirindo com a mania de perguntar para desconhecidos, “mas quem nasce na sua cidade é o quê? ”, ou ainda pior, ter aderido ao provincianismo de torcer a cara e corrigir as pessoas com um “é campineiro que fala e não campinense”.

Ilustração de Daniela Koyama / Texto de Adriano Godoy

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