A Pena do Ser
Tenho sentido-me velho ultimamente. Apesar da pouca idade, tenho tido alguns sentimentos que até pouco tempo só havia visto retratados em obras de ficção e nos rostos de alguns poucos desgraçados. Ultimamente estou sentindo-me absolutamente cansado, moído, como se minhas partes tivessem sido removidas e espalhadas por um espaço longínquo, de modo que não pudessem se encontrar, mas ainda mantivessem em si fragmentos da minha consciência. Tenho sentido ultimamente que, efetivamente, não tenho nada, e por tal sentimento, tenho me sentido angustiado, por isso, também, tenho sentido-me ansioso, como se algo precisasse ser feito a respeito disso, como se minha vida fosse um completo desperdício. Tenho sentido que tenho perdido cada vez mais O Sentido.
O modo como prestamos atenção ao momento presente determina, em grande medida, o caráter de nossa experiência, e, portanto, a qualidade de nossa vida.
Harris, Sam. Despertar . Companhia das Letras. Edição do Kindle.
Minha busca tem sido cada vez mais frenética, tem compreendido mais horas por dia, tem exigido mais energia, tem tirado-me cada vez mais a saúde. Eu acho que não consigo — simplesmente não posso —me acomodar a fazer o que faço, deveria mesmo estar fazendo outra coisa. Deveria estar lendo mais livros, escrevendo mais artigos, fazendo mais dinheiro e mais sexo — quem sabe. O que me contraria em tudo isso é que efetivamente não sei dizer se minhas vontades valem a pena... Valer a pena, você já refletiu sobre o significado dessa expressão? Em tudo que fazemos cumprimos certa pena, é como se houvesse um ônus previsto em um contrato, um contrato que assinamos toda vez que escolhemos... Escolher, que verbo interessante, essa dádiva concedida a aquele que tem consciência e liberdade, ou quase isso.
Ontem eu estava pensando. Se somos conscientes de que somos livres. Você já se viu em uma situação em que fizera algo sem perceber, ou sem escolher ? Falo sobre aqueles hábitos simples, como quando entramos em um hospital e imediatamente começamos a fazer silêncio, ou como cantamos baixinho quando estamos sendo observados ao caminhar pela rua, mesmo querendo soltar a voz a ponto de rasgar o peito. É estranho como estamos sempre sendo contidos por uma espécie de campo de força, como loucos em camisas de força... Com os braços colados ao corpo, imóveis, impedidos de alcançar aquilo que deveria ser facilmente tomado às mãos. O problema da liberdade é que ela é um exercício e não uma substancialidade. Ninguém nasce livre, nós escolhemos nos tornar livres, à medida das possibilidades, é claro, à medida da consciência de que se é livre. A maior parte daquilo que te impede, de trocar de trabalho, de deixar um relacionamento falido, de dançar na chuva, é um limite imposto em você mesmo, apesar de não ser, necessariamente, por você mesmo. Na maior parte das vezes ele provém de fontes externas, ele se engendra em seus pensamentos e lhe toma as vontades, e sem que você tome consciência te torna alguma outra coisa.
Embora os insights que possamos ter ao meditar não nos digam nada sobre as origens do universo, eles confirmam algumas verdades bem estabelecidas sobre a mente humana: nosso sentido convencional de self é uma ilusão; emoções positivas, como compaixão e paciência, são capacidades que podem ser ensinadas; e o modo como pensamos influencia diretamente nossa experiência de mundo.
Harris, Sam. Despertar . Companhia das Letras. Edição do Kindle.
A consciência, ela também, é um exercício... É investigar a realidade, e, à medida em que se faz isso, tomar consciência de si mesmo. Ser consciente é encontrar-se em si, seja ao contemplar a beleza da existência ou mesmo ao entender a faceta miserável do ser. Toda reflexão por mais materialista que seja sempre retorna a questão do ser. A pena da consciência é essa busca perpétua por se encontrar, encontrar as partes que faltam no quebra-cabeça do Ser e liberta-lo no processo. A pena da consciência é a busca pela liberdade, a pena pela consciência é fazer-se livre.
