gabriela feitosa
quitandadapretablog
2 min readNov 20, 2020

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vinte vinte um!

depois de um momento de abertura e expansão, vem a solitude. tava me perguntando hoje onde está toda aquela coragem que eu tinha. na verdade, perguntando se eu tinha mesmo algum tipo de coragem. tipo quando eu era criança e morria de medo de entrar num rio (que eu sabia que era um pouco fundo) e ainda assim eu entrava confiante, ouvindo a mãe dizer pra não ser tão afoita.

adoro essa palavra, essa coisa de ser afoita. sempre disseram isso de mim. também sempre pediram calma. por que é que me pedem calma? ou eu deveria era me perguntar porque tenho essa pressa toda? eu deveria ter assumido o personagem de afoita há mais tempo, me acostumado com essa pele. acho que sofreria menos hoje. e que engraçado, temer o dano mas ainda assim ser afoita. e me jogar no rio quando tudo que resta é água e medo.

o que é que as pessoas enxergam em mim que eu não vejo? que não consigo nem me permito ver? lá vou eu ser afoita na vida! e achar que vivo num filme que há de ter um final feliz. senão, qual o propósito, né? tanta gente se foi em 2020. no começo do ano escrevi um texto sobre doenças, lembrei aqui. elas levaram muitas pessoas próximas. vinte vinte, a gente brincava. nem tem graça com vinte vinte um.

acho que não consigo me despedir desse ano, que mal aconteceu ou que aconteceu muito mal. mas Deus que me livre dele virar uma pedra no meu sapato. quero dar tchau, esquecer, superar, quero que ele acabe. quero ser outra mas ao mesmo tempo ser eu mesma. você acha isso ruim? eu querer mudar muito?

não quero que pense que não estou bem sendo o que fui até agora. na verdade, eu gosto, curto isso de brincar de ser eu, de me descobrir todo dia. eu brinco de ser eu, peço que me desculpe. e eu imagino, eu minto, eu invento. mas sou tão pequena! caramba como eu não sou nada. tantas palavras que não conheço, não sei pronunciar. tantas tecnologias que nunca consegui usar. nem rimar eu sei.

e se um dia eu quis ser algo na vida, era ser poetista, que nem minha mãe chama. um dia ela virou e me perguntou: "gabriela, tem poeta e poetista, né? ou é a mesma coisa?". achei a palavra tão bonita que quis ser palavra e poetista.

como deve ser incrível ser uma palavra e estar na tua cabeça e depois na ponta da tua língua ou na ponta do teu dedo e depois no papel. como deve ser incrível ser despejada numa superfície e de repente ganhar significado. como deve ser incrível ter um significado! e poder ser a junção de tantas letras e fazer sentido ou nem fazer sentido! e poder ser um nome, um lugar, um objeto, uma adedonha inteira.

eu queria ser uma palavra! e se um dia eu fosse uma palavra e conseguisse formar uma frase inteira, eu diria: não me ligue, mande mensagem. estou muito ocupada (e detesto ligação no Whatsapp).

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gabriela feitosa
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Mulher negra comunicadora. Jornalista formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com passagem pelo Jornal O POVO, Yahoo Brasil e mais.