Amanda Chevtchouk Jurno
R-EST
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4 min readMar 12, 2020

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As plataformas digitais e o corona vírus

a responsabilidade social colocada em pauta

Empresas são parte da vida social das comunidades que compõem. São compostas por pessoas, influenciam e são influenciadas pelas comunidades onde estão inseridas. E isso não é diferente ao pensarmos nas plataformas digitais, como o Facebook por exemplo.

Pode ser mais difícil associar a ideia das plataformas enquanto “empresas”, dada sua virtualidade e a quantidade de serviços feitos “à distância” ou conteúdos “disponíveis nas nuvens”. Mas, assim como as outras, as plataformas são empresas compostas por pessoas, regras, protocolos, hierarquias, escritórios, tão reais quanto é real a sua ação na vida das pessoas.

Em junho de 2017, o Facebook anunciou a mudança de missão da empresa: “das às pessoas o poder de construir uma comunidade e aproximar o mundo”. Em um post na rede social, o CEO Mark Zuckerberg comentou que acreditava que a plataforma tinha a responsabilidade de fazer mais pela sociedade, além de possibilitar que as pessoas se conectassem: “não é suficiente apenas conectar o mundo, nós também precisamos trabalhar para aproximar o mundo”.

Dito isso, façamos uma transição temporal para março de 2020 e o anúncio de que a Organização Mundial da Saúde declarou uma pandemia de corona vírus. Qual o papel das plataformas diante dessa informação, enquanto empresas inseridas socialmente nas comunidades?

Uma das recomendações para evitar o espalhamento do vírus é evitar aglomeramentos. O Twitter, por exemplo, decretou obrigatório o home office — ou seja, todos os funcionários são obrigados a trabalhar de casa e não frequentar as instalações físicas da empresa. Outras plataformas optaram por home office voluntário” — quem quiser trabalhar de casa, pode ficar à vontade para não ir à empresa. Mas isso é suficiente?

O que diferencia essas plataformas das empresas “tradicionais” são as relações trabalhistas dos seus funcionários. A grande maioria desses trabalhadores das plataformas, que não estão localizados nas sedes das empresas em sua grande maioria localizadas nos Estados Unidos, trabalha sob esse regime de terceirização. Com as plataformas vimos a emergência de uma onda chamadas de Gig Economy, ou seja, da realização de pequenos trabalhos (de “bicos”, em bom português) que são alegadamente “intermediados” pelas plataformas. Isso significa que o trabalhador não é considerado um ‘funcionário’, mas um prestador de serviços para a plataforma. Ele oferece um serviço e é pago pelo serviço que realiza — tanto para a plataforma, ou através da plataforma. Não há amarras ou responsabilidades empregatícias.

Porém, em casos como o de uma pandemia viral essa relação de trabalho sem vínculos pode levar a problemas de saúde. Como não há vínculos, e consequentemente não há direitos trabalhistas, o trabalhador terceirizado não tem acesso a férias remuneradas ou licença por questões de saúde. Isso significa que, diante da possibilidade de infecção por um vírus gripal, o profissional opte por não faltar ao trabalho — mesmo sabendo que pode ser um portador do tal vírus pandêmico — porque não quer (ou não pode) abrir mão do dinheiro de um dia de trabalho.

“Estou me sentindo mal, mas provavelmente é só uma gripe. Vou continuar trabalhando normalmente e ninguém precisa ficar sabendo”, pode pensar o trabalhador. Quantos motoristas e entregadores de aplicativos, que não têm a opção de aderir ao home office voluntário proposto por algumas plataformas, podem se tornar veículos “espalhadores” do vírus simplesmente porque não podem arcar financeiramente com a ausência no dia de trabalho?

“Ah, mas isso não é culpa da plataforma, mas falta de responsabilidade do trabalhador”, podem dizer os críticos. Sim, até porque ‘culpa’ é uma palavra bastante forte e determinista. Talvez a ideia de ‘incentivar’, ‘gerar’, ‘promover’ contatos sociais, atualmente considerados como questões de saúde e segurança pública, seja melhor. Nesse caso, estamos delegando ao trabalhador (e somente a ele) a responsabilidade por pensar na tal ‘comunidade’ que plataformas como o Facebook dizem querer ajudar e fazer parte.

Diante disso tudo, nossa intenção é refletir sobre as responsabilidades sociais das plataformas em relação aos seus funcionários como mais do que simplesmente “direitos trabalhistas” ou “assistencialismo”. Em casos como o de uma pandemia viral fica mais fácil visualizar e entender porque essas responsabilidades são casos de política social de empresas que se dizem preocupadas com a sociedade que compõem. Se toda empresa que se preze tem uma “missão social”, será que a missão civil e cidadã não deveria ser também cobrada delas? Será que essa situação que emerge com a pandemia pode nos ajudar a visualizar e entender melhor o papel e a necessidade da institucionalização das relações de trabalho?

Fica o espaço para discussão e alguns links para quem quiser saber mais sobre o assunto.

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Amanda Chevtchouk Jurno
R-EST
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Doutora e Mestre em Comunicação (UFMG — Brasil). PhD and Master in Communication. Researcher interested in platforms, algorithms and technologies.