Pesquisando ‘vacina’ no YouTube durante a pandemia

Gregório Fonseca
R-EST
Published in
7 min readJun 1, 2020
Imagem de Miguel Á. Padriñán por Pixabay
Imagem de Miguel Á. Padriñán por Pixabay

A exploração do tema “vacina” no YouTube foi o tema de discussão na disciplina de “Produção colaborativa de textos na web” ministrada pelo prof. Dr. Carlos Frederico de Brito d’Andréa na semana de 18 a 22 de maio de 2020. A disciplina faz parte do Curso de Especialização em Linguagem, Tecnologia e Ensino da Faculdade de Letras da UFMG em modalidade EAD. O objeto específico utilizado para exploração do tema foi o algoritmo de busca do YouTube. Acompanhei essa discussão por estar diretamente ligado à minha pesquisa de doutorado, que trata da presença do tema “vacina” nas plataformas de mídia social, em especial o YouTube.

A discussão teve como ponto de partida um levantamento colaborativo com os vídeos mais relevantes sobre “vacina” exibidos para cada um dos alunos dentro de um período. A vacinação é um tema muito importante para a sociedade: cada dose de vacina protege um cidadão de uma ou várias doenças além de dificultar a propagação dessas doenças para outras pessoas. No atual momento, onde o mundo vive uma pandemia de COVID-19, uma doença cuja vacina ainda não foi desenvolvida, a importância da imunização fica mais evidente.

O ponto de partida foi uma extração de dados realizada via API do YouTube no dia 14 de maio de 2020. Utilizando a ferramenta YouTube Data Tools (RIEDER et al., 2018), foram listados os 10 vídeos mais “relevantes” (a lista pode ser consultada aqui). Por ser uma lista elaborada a partir de dados extraídos via API, a classificação por relevância determinada pelo algoritmo do YouTube não considera os aspectos individuais de cada usuário e, teoricamente, deve ser igual para todas as extrações de dados realizadas utilizando os mesmos parâmetros. Dentro os vídeos mais “relevantes” obtidos via APIs, havia uma grande predominância de matérias publicadas por veículos jornalísticos, especialmente emissoras de TV.

Interface do YouTube Data Tools

Entre os dias 15 e 19 de maio de 2020, cada aluno fez uma busca no YouTube pela palavra “vacina”. Nesse caso, não foi utilizada a API. As extrações foram manuais, realizadas diretamente na página de busca da plataforma e então lançadas em um formulário. Dessa forma, todos os parâmetros de personalização de resultados utilizados para definição do resultado da busca foram considerados e cada usuário observou um resultado diferente e personalizado. Vinte pessoas responderam ao questionário, sendo que 60% não haviam assistido algo relacionado ao tema “vacina” no YouTube nos últimos dias.

As listas de vídeos obtidas por cada aluno foram significativamente diferentes. A grande maioria dos vídeos obtidos via API não apareceu entre os dez mais relevantes de cada aluno: o número de vídeos coincidentes variou de zero a três: no mínimo 70% da lista de cada aluno era diferente da referência inicial. Além disso, não houve respostas repetidas entre os alunos, o que indica que a busca foi personalizada em todos os momentos. O fato de não haver absolutamente nenhuma lista igual evidencia claramente que a curadoria do YouTube é dinâmica e incorpora diversas variáveis para definir os resultados que cada usuário irá receber.

Como identificado por Carlos d’Andréa, uma primeira análise leva à identificação de “uma grande predominância de matérias jornalísticas factuais, isto é, que tratam de debates “quentes” naquele momento”, com apenas duas exceções. Nas consultas realizadas pelos alunos, de acordo com seus relatos, o número de vídeos atemporais, não relacionados necessariamente a uma notícia, variou de zero a três entre os dez vídeos mais relevantes. TUDO QUE VOCÊ SEMPRE QUIS (E PRECISOU) SABER SOBRE VACINAS (Macetes de Mãe, 10/06/2019), Calendário de vacina dos cães (Rosa e Blue, 04/08/2016) e Vacina contra o sarampo (Mulheres, 18/07/19) foram alguns dos vídeos atemporais que surgiram nas buscas.

Nota-se um predomínio claro de matérias jornalísticas para todos os usuários. CORRIDA POR VACINA PARA COVID-19 ACELERA (UOL, 13/05/2020), EUA pagam fortuna para receber doses de futura vacina contra a covid-19 (Band Jornalismo, 21/05/2020) e Primeiros testes em humanos de vacina contra o coronavírus têm resultados positivos nos EUA (Jornal da Record, 18/05/2020) são alguns dos vídeos recuperados. A própria forma do YouTube mostrar os resultados favorece a presença do jornalismo tradicional entre o conteúdo mais relevante: para alguns usuários, o resultado da busca traz um bloco com três vídeos em destaque intitulado “Principais Notícias”. Alguns poucos vídeos não factuais apareciam entre os dez mais relevantes indicados a cada aluno, como QUARENTENA COM DONA HELENA — VACINA (Porta dos Fundos, 15/04/2020) e Maria Clara e JP tomando vacina (Maria Clara & JP, 23/05/2017.

Na mesma linha vai o comentário de Terezinha Ferreira, que diz que “por se tratar de ambiente de interação online que permite mais criatividade, temas que se referem à novidade, acontecimento de momento ganham espaço maior em detrimento a outras notícias. Daí a palavra-chave dá ênfase para vídeos jornalísticos porque é neles que encontramos a agilidade na atualização dos acontecimentos presentes (atuais). Devido ao momento de proliferação mundial do coronavírus (COVID-19), o termo “vacina”, provavelmente, por definições de algoritmos, já se associa à doença, às pesquisas científicas, às questões administrativas e políticas relacionadas ao assunto, direcionando para informações numa linguagem acessível e de fácil entendimento para as pessoas, por isso a predominância do factual na busca sobre o tema “vacina”.”

A presença de notícias na lista de vídeos mais relevantes sobre vacina é uma mudança recente nos resultados do YouTube, tendo sido identificada a partir de março de 2020. Até o final de fevereiro do mesmo ano, os principais vídeos eram de temas atemporais como Quem deve tomar a vacina contra o sarampo | Coluna #117 (Drauzio Varella, 12/08/2019), Webaula — Vacina BCG ID (Centro de Telessaúde HC-UFMG, 12/06/2018) e Ação das vacinas no corpo humano (Khan Academy Brasil, 22/03/2019). O vídeo da Khan Academy Brasil foi um dos poucos que permaneceu entre os mais relevantes nos meses seguintes. A data de mudança dos vídeos mais relevantes está em sincronia com o início da preocupação com a pandemia no Brasil. Não é simplesmente uma coincidência.

Quanto à classificação do conteúdo, foi difícil encontrar uma unidade entre os diferentes usuários. Dos dez vídeos inicialmente listados, apenas um apareceu no top 10 de mais da metade dos usuários: Covid-19: Incor desenvolve vacina promissora (Jornalismo TV Cultura, 01/04/2020). Isso evidencia uma personalização de conteúdo muito significativa, que está relacionada a diversos aspectos como data, local, e todo o histórico do usuário que está fazendo a pesquisa, seja logado ou não no YouTube.

Vagner Santana mencionou a hipótese de que “parece que os parâmetros adotados pelos algoritmos para a seleção do conteúdo buscado se valem de informações atreladas a nossa vida e que, de alguma forma, se cruzam a outros dados e chegam aos resultados apresentados.” Essa hipótese faz sentido dentro da política de personalização de recomendações do YouTube. Tamara Mendes também notou a personalização: “percebi que os hábitos do usuário interferem bastante nos resultados das buscas. Eu costumo assistir muitos canais de humor e sou inscrita em alguns e um vídeo humorístico sobre o tema foi um dos primeiros na minha busca.”

Um vídeo humorístico muito presente nas listas de mais relevantes é o já citado QUARENTENA COM DONA HELENA — VACINA (Porta dos Fundos, 15/04/2020). Não é a primeira vez que o canal Porta dos Fundos (que conta com mais de 16 milhões de assinantes) produz um conteúdo envolvendo o tema vacina. Em novembro de 2018, publicaram o vídeo VACINA — POLÊMICA DA SEMANA (Porta dos Fundos, 03/11/2018) , que na ocasião foi direto para o topo da lista de vídeos mais relevantes.

No entanto, as recomendações do algoritmo nem sempre agradam. Liliane Mendonça ficou um pouco incomodada com os resultados obtidos em sua pesquisa, pois eles favoreceram canais que ela não tem o costume de visitar, enquanto os canais que ela costuma assistir estavam em posições inferiores da lista. Ela pediu que pessoas de diferentes perfis políticos e regionais que fizessem a mesma pesquisa para comparar com seus resultados, mas o YouTube mostrou listas semelhantes. Esse é um caso onde a personalização do algoritmo do YouTube não atendeu à expectativa da usuária e acabou gerando um desconforto.

Uma importante constatação é que não foram identificados vídeos contendo desinformação como teorias da conspiração, curas milagrosas ou posicionamento antivacina. Isso é um sinal de que a moderação do conteúdo pela plataforma tem surtido efeito, uma vez que o conteúdo desinformativo continua presente no YouTube. Wilson (2020) constatou que “as análises das redes sociais revelam um grande pico de adesão em páginas e contas de movimentos contrários às vacinas durante a pandemia do coronavírus.” Embora o conteúdo antivacina tenha se proliferado ainda mais, o YouTube não o recomenda na lista dos relevantes, chegando a inclusive tirar do ar vídeos desinformativos (WILSON, 2020). Ainda assim, “os teóricos da conspiração Covid-19 ainda estão recebendo milhões de visualizações no YouTube, mesmo quando a plataforma reprime as informações erradas sobre saúde” (OHLHEISER, 2020). Se não é pelas recomendações, esses vídeos acabam atingindo o público por outros caminhos.

O experimento realizado em aula foi importante para evidenciar as diferenças no conteúdo recomendado entre múltiplos usuários e gerar a reflexão sobre os diversos fatores que influenciam a recomendação de conteúdo. Além disso, ele mostra que existe uma moderação positiva no sentido de limitar a disseminação de desinformação científica. Entretanto, há limitações no experimento: o grupo testado é pequeno e as coletas de dados foram realizadas de forma não simultânea — o que pode fazer muita diferença quando os principais resultados recomendados são notícias recentes. De qualquer forma, foi um momento de reflexão e discussão sobre a forma como os algoritmos das plataformas agem sobre o conteúdo e como isso pode influenciar o que consumimos.

Referências

OHLHEISER, A. How covid-19 conspiracy theorists are exploiting YouTube culture. Disponível em: <https://www.technologyreview.com/2020/05/07/1001252/youtube-covid-conspiracy-theories/>. Acesso em: 8 maio. 2020.

RIEDER, B.; MATAMOROS-FERNÁNDEZ, A.; COROMINA, Ò. From ranking algorithms to ‘ranking cultures’: Investigating the modulation of visibility in YouTube search results. Convergence, v. 24, n. 1, p. 50–68, 10 jan. 2018.

WILSON, C. Sem uma vacina para a Covid-19, movimento antivacina aumenta sua influência na internet. Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/br/cameronwilson/movimento-antivacina-coronavirus-covid-19>. Acesso em: 29 maio. 2020.

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Gregório Fonseca
R-EST
Writer for

Feito 50% ciências exatas e a outra parte de ciências humanas. Doutorando em Comunicação (UFMG), Mestre em engenharia (ITA).