Vigilância em tempos de educação à distância

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3 min readApr 1, 2020

Por Eduardo Junqueira (Universidade Federal do Ceará)

Reproduzido do portal “Outras Palavras” mediante autorização do autor

Com a suspensão das aulas presenciais em escolas e universidade na maior parte do país devido à pandemia de Covid-19, muito tem se debatido sobre como levar as atividades escolares para casa. Além das complexas questões pedagógicas envolvidas nessas iniciativas e que não discutirei neste artigo, há que se atentar para o sério problema da segurança e da privacidade de professores e alunos — adultos e também crianças — ao acessarem a internet e utilizarem tecnologias digitais e serviços online. Cada clique do mouse do computador ou toque dos dedos sobre a tela do telefone celular, cada apertar de tecla, visualização de página e até o tempo gasto entre essas ações são gravados e documentados por sistemas automatizados dessas empresas. Dessa forma, elas podem saber o que fazemos, o que sabemos e o que pensamos. A despeito disso, universidades de ponta, como a USP, e escolas públicas e privadas de renome têm utilizado as funcionalidades e facilidades de comunicação interativa de plataformas comerciais disponíveis na internet para fazer frente ao cancelamento das aulas presenciais.

Nesse novo esforço de reduzir os danos provocados pela quarentena domiciliar têm sido utilizados serviços e aplicativos comerciais de comunicação como o Zoom, o Hangouts e ambientes educacionais da empresa Google, e ambientes virtuais de aprendizagem massivos, como o Coursera, empresa fundada como uma startup na Stanford University e mantida por fundos de investimentos. Em uma atividade remota, professores se comunicam com seus alunos através de vídeo e sistemas de mensagens instantâneas, enviam materiais de estudos e desenvolvem atividades de aprendizagem. Os alunos, incentivados pelos pais, procuram participar dessas atividades: assistem a vídeos e interagem com colegas de turma, escrevem textos, resolvem problemas, compartilham dúvidas e respostas para problemas das atividades escolares. Tudo isso é realizado através de dispositivos digitais (computadores, tablets, telefones celulares) conectados à internet e que se utilizam de tecnologias variadas oferecidas por empresas globais que buscam ampliar seu poder e seus lucros. O Google e seus parceiros comerciais, por exemplo, estão reativando parcerias com secretarias de estado e prefeituras para oferecer pacotes tecnológicos com seus produtos (o Google for Education, que inclui o G Suite e o Google Sala de Aula). Intensificaram também a divulgação de conteúdos pedagógicos e a oferta de treinamentos a educadores do país orientando como realizar atividades remotas para a educação básica e superior na perspectiva das chamadas “boas práticas para aulas online”.

Ainda que essas tecnologias de comunicação em rede ofereçam ótimas funcionalidades e permitam a realização de diversas atividades educacionais fora da escola — sem nunca substituí-la — seu uso por adultos, e principalmente por crianças, apresenta um problema sério e pouco debatido nesses dias: a falta de privacidade e de segurança de informações sensíveis dos usuários. Segundo os pesquisadores holandeses Van Dijck e Poell (2018), essas empresas e suas tecnologias prosperam graças à chamada dataficação, ou seja, um modelo tecnológico e comercial que transforma o uso de seus produtos — neste caso, os dados gerados ao longo dos processos de ensino e aprendizagem dos professores e estudantes nas plataformas — em oportunidades para o monitoramento e a coleta dos dados dos usuários através de sistemas de vigilância e de rastreamento. Configura-se, segundo esses pesquisadores, um mecanismo que domina todo o ecossistema da mídia conectiva comercial hoje.

Isso significa que professores renomados brasileiros e alunos brilhantes de nossas universidades e escolas, ao fazerem uso dessas plataformas comerciais da internet, estão sujeitos à vigilância constante através de mecanismos pouco transparentes e, consequentemente, desconhecidos pela sociedade. Toda essa produção intelectual circula e podem ser armazenados nos computadores dessas empresas. E mais: os dados de navegação, as diversas ações realizadas nessas plataformas, são fonte dos altos lucros para essas empresas da área de analítica dos dados.

Leia a íntegra do artigo “Vigilância em tempos de educação à distância” no portal Outras Palavras

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R-EST — estudos redes sociotécnicas. Grupo de pesquisa vinculado ao PPGCOM/UFMG.