Afinal, o que é lugar de fala?

Rafaela Martuscelli
rafaela na graduação
5 min readDec 22, 2019

Entenda mais sobre este conceito que envolve a política e a sociedade

Foto: Reprodução/Internet

O termo já é popular. Não é difícil se deparar com ele, principalmente em épocas em que acontecem tantos debates e discussões na internet. Mas não podemos esquecer que nem toda informação chega de maneira igual para todo mundo. Assim, apesar de conhecermos de vista, ainda fica a dúvida. Então, de uma vez por todas, o que é lugar de fala?

A expressão ganhou nova visibilidade com a acadêmica, filósofa e ativista feminista Djamila Ribeiro em sua obra “O que é lugar de fala?”, publicado em 2017 pela editora Letramento. Nos últimos anos, o termo foi popularizado nas redes sociais ao passo que a internet virou espaço para vozes que antigamente não tinham seu espaço e agora detêm certa atenção sobre seus pontos de vista, histórias e lutas.

Apesar de popular, ainda se tem muita dúvida sobre o significado desse termo. Sua utilização, que é mais recorrente dentro da internet e dos espaços acadêmicos, acaba se afastando do restante da população e de quem não é engajado em discussões sociais.

Em uma entrevista dada ao Canal Curta!, Djamila Ribeiro define “lugar de fala” como “lugar social, localização de poder [do indivíduo] dentro da estrutura, e não a partir de suas experiências e suas vivências”. Ou seja, o lugar de fala se trata da maneira que você pode se posicionar de acordo com o seu lugar na sociedade. A maior dificuldade encontrada é saber qual é o seu espaço.

O lugar de fala na política brasileira

A política brasileira é um bom cenário para analisar e entender melhor o que é o lugar de fala. O Senado, ambiente de pauta para tantas questões sociais, é majoritariamente composta por homens. Segundo a Inter-Parliamentary Union, o Brasil é o 153º num ranking de 193 países no quesito representação feminina. De acordo com uma matéria do Jornal Destak, as mulheres ocupam 54 das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados e 13 das 81 do Senado.

Além disso, segundo dados retirados do site do TSE, o número de mulheres sendo eleitas também diminuiu. De 2004 a 2016, a porcentagem de candidatas aumentou de aproximadamente 22% a 33%. No entanto, o número de votos em candidatas mulheres caiu de aproximadamente 25% a 15%.

A maior parte do eleitorado brasileiro é composto por mulheres. A diminuição dos votos em candidatas e o consequente aumento no número de candidatos homens dentro da política são reflexo da falta de consciência da importância de existir uma representatividade maior dentre aqueles que nos representam politicamente, e de entender o próprio conceito de “lugar de fala”.

Sendo a maioria homem, são eles os responsáveis por tomarem decisões que dizem respeito apenas à vida das mulheres, como a sua segurança, proteção e o direito de abortar, independente da situação. E é nesse momento que o lugar de fala também se apresenta dentro da política brasileira. O lugar se encaixa na política e em contextos sociais como uma forma de se posicionar eticamente sobre determinadas situações.

Conversamos com Isabela Otani, integrante do Coletivo Feminista AYA, da Universidade Estadual Paulista de Bauru, explicou o lugar de fala na política. “É imprescindível a compreensão do conceito de local de fala hoje em dia para que a gente consiga, também, tornar mais subjetiva a política. A política não é o preto no branco, a objetividade pura. Ela é sentimento, ela é ódio, ela é muita coisa. O conceito de lugar de fala traz isso à tona de uma maneira muito correta”.

Um outro ponto de vista

Entre os coletivos comunistas, o conceito de “lugar de fala” tem um outro significado. Dentro deles, homens podem fazer parte de coletivos feministas e brancos estão no coletivo negro, sem ocupar cargos de liderança. Para o Partido Comunista Brasileiro, todas as relações sociais com o estado devem se iniciar pelo olhar do trabalhador.

Em conversa com B. F. B., formada em Ciências Sociais, mestranda em Sociologia pela Unicamp e militante do coletivo feminista classista Ana Montenegro, ela nos explicou que se olha o sujeito, a sociedade e a história pelos olhos dos dominados. Porém, isso pode não funcionar para o significado convencional do termo.

“O lugar de fala meio que é fechado em si mesmo, serve por si mesmo. É como se a experiência cotidiana da opressão gerasse necessariamente uma total consciência de toda aquela forma de dominação. É como se eu, como mulher, só pelo fato de ser mulher e estar numa sociedade machista, eu automaticamente me torno consciente de todas as formas de opressão. E isso, por si só, vale. O que eu acho um grande problema, principalmente do ponto de vista sociológico, existem coisas que estão por trás — e Marx já dizia isso.”

Ela explica, também, que a experiência é importante para poder enxergar alguma coisa mas que elas não necessariamente fazem você entendê-las. Ela chama a atenção para um cuidado que se deve ter em entender que não é necessariamente as experiências com a opressão que geram um total reconhecimento das coisas.

Respeitar cada espaço

A maioria branca, que não se questiona sobre seus privilégios, detêm o poder da fala desde os primórdios da história do mundo, sendo beneficiado a todo instante. O lugar de fala é importante para que esse grupo saiba que o seu local é o de pessoas privilegiadas, e que os outros locais de fala são importantes para que estes grupos tenham a sua voz ouvida.

Mas podemos nos deparar com momentos em que, ao enxergar situações de machismo ou feminismo ocorrendo e tenhamos que intervir, mesmo que não seja o nosso lugar de falar. Isabela Otani diz que é importante lembrar que ao falar sobre essas questões, que a pessoa “se coloque de uma forma em que se respeite as vivências subjetivas daqueles que realmente sentiram na pele. A última coisa que o lugar de fala deve virar é autoridade de fala”.

Para B., segundo a metodologia marxista, devemos olhar a sociedade a partir dos olhos não de quem domina, mas daqueles que são dominados — os trabalhadores. E assim, inverter a pirâmide social para que as discussões sejam pensadas pelos sujeitos e dar voz a eles.

Em meio a tanto diálogo, ainda faltam diálogos. Devemos estar abertos à entender as novas formas de debate e que o lugar de fala existe para encorpar o debate com mais vozes, e não para silenciar.

> texto desenvolvido para a disciplina de Jornalismo Impresso III, 6º semestre de Jornalismo na Unesp/Bauru.

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