A Bizarra Musicalidade de JoJo

Giancarlo Silva
Raijuu!!
Published in
9 min readOct 25, 2017

Lembro de alguns anos atrás, quando eu era adolescente e o primeiro PlayStation era o videogame do momento, com seus zilhões de jogos piratas espalhados pelo país. Já naquela época eu adorava jogos de luta e jogava quase tudo que eu encontrava. Um belo dia eu encontrei um certo jogo lançado pela Capcom, com um carinha mal encarado vestido de azul na capa.

Após alguns minutos de jogo, rapidamente curti pra caramba o jeitão diferente com que os personagens e os seres mágicos que eles controlavam se esmurravam na tela. Mal sabia eu o quão importante é a obra que serviu de inspiração para aquele jogo e como, anos mais tarde, eu iria gostar tanto dela!

Este jogo era massa!

Assim como diversos outros grandes artistas que sempre deixam sua marca e empregam um pouco de si mesmos em suas obras de maior destaque, Hirohiko Araki conquistou renome impregnando um pouco de si em seu mangá de maior sucesso, JoJo’s Bizarre Adventure (JoJo no Kimyou na Bouken/ジョジョの奇妙な冒険), que foi lançado em 1987 e é publicado até hoje.

Em conversa com meus amigos daqui do Raijuu!! eu descobri que é dessa obra que se originou aquele antigo jogo que me divertiu tanto, a ponto de eu cometer a bizarrice (com o perdão do trocadilho) de começar a assistir ao anime a partir da segunda temporada, que adapta o arco Stardust Crusaders do mangá (é nessa parte do mangá/anime que se passa o jogo da Capcom). À medida que eu absorvia mais e mais da obra e pesquisava sobre ela, descobri como as intrépidas aventuras da família Joestar ao longo dos séculos são praticamente a impressão digital da mente de seu criador.

Araki é um grande admirador da arte e da cultura ocidental — seja erudita ou popular — e faz questão de usar esse conhecimento de mundo nas páginas de JoJo’s, que transborda influências da arte clássica europeia, do mundo da moda e do cinema hollywoodiano. Seu estilo rebuscado e detalhista de desenho passa longe do visual cada vez mais comum e genérico visto em muitos dos mangás e animes mais recentes e, na minha opinião, lembra bastante o estilo artístico do francês Moebius.

Os enquadramentos, planos e ângulos de câmera bastante dinâmicos que vemos nas cenas de ação de JoJo’s têm sua inspiração no cinema que, junto com o mundo da moda, também serviu de influência para o exótico figurino dos personagens, bem como para as icônicas e carismáticas JoJo Poses, marca registrada desta obra.

Admita: você já quis fazer uma JoJo Pose pelo menos uma vez na vida.

Mas o que sem dúvida alguma mais me impressionou enquanto eu curtia JoJo’s foi a incrível admiração de Hirohiko Araki pela música! Ao longo da jornada da família Joestar encontramos uma infinidade de personagens inspirados em grupos e bandas europeias e norte-americanas dos mais diversos estilos musicais, com uma grande predileção pelo rock, jazz, pop, blues e estilos similares.

Nas próximas linhas eu separei apenas algumas das referências musicais que mais me chamaram a atenção ao longo das 4 primeiras partes de JoJo’s Bizarre Adventure (cujas adaptações em anime estão todas completinhas e disponíveis no Crunchyroll). Obviamente eu não vou listar tudo aqui, já que é coisa pra caramba e a grande graça é você mesmo descobrir todas as referências (sem falar que infelizmente eu não li o mangá ainda, então ainda não conheço as 4 últimas partes de JoJo’s), mas apenas as que eu encontrei já evidenciam o amor de Hirohiko Araki pela música e o quão interessante e diferente do comum sua maior obra se tornou ao receber esse toque pessoal.

Phantom Blood

No início das aventuras de JoJo’s conhecemos as origens da rixa secular entre a família Joestar e o odioso antagonista Dio Brando, que tenta usurpar a fortuna e o prestígio da família, transformando a vida de Jonathan Joestar em um verdadeiro inferno.

Comecemos então a falar sobre o personagem Dio, cujo nome é obviamente inspirado no músico Ronnie James Dio e em uma de suas clássicas bandas de heavy metal, também chamada Dio. Mais tarde, em Stardust Crusaders, tal inspiração fica ainda mais forte, pois o fato deste icônico vilão escolher a cidade de Cairo, no Egito, como seu covil vem da música Egypt (The Chains Are On), parte do segundo álbum de estúdio da banda, The Last in Line.

Também dos clássicos do rock vem a inspiração para o exótico mestre de Jonathan Joestar. William Antonio Zeppeli, que ensina a técnica de dominação do poder místico Hamon para o protagonista de Phantom Blood, recebeu seu nome em homenagem a Led Zeppelin (uma das minhas bandas favoritas, diga-se de passagem).

Já o ex-membro de gangue de rua e melhor amigo de Jonathan, Robert E. O. Speedwagon recebeu da banda de pop rock e hard rock REO Speedwagon não apenas o seu nome mas o seu visual: o cabelo longo e arrepiado desse personagem é bastante parecido com o penteado comum de alguns dos integrantes dessa banda.

Parece, né?

Alguns dos primeiros inimigos que Jonathan precisa enfrentar em Phantom Blood são os antigos guerreiros Tarkus e Brufford, cujos cadáveres foram reanimados e transformados por Dio em zumbis sob seu comando. O grandalhão Tarkus tem seu nome inspirado no álbum de rock progressivo homônimo, o segundo da banda inglesa Emerson, Lake & Palmer.

Já o guerreiro Bruford recebeu seu nome de Bill Bruford, percussionista, compositor e produtor musical que já foi um dos integrantes da banda Yes, cuja excelente música Roundabout coroa a animação de encerramento de Phantom Blood e de Battle Tendency.

Eu amo esta música! ❤

Battle Tendency

Em Battle Tendency acompanhamos a jornada de Joseph Joestar, neto de Jonathan e um dos mais carismáticos personagens da saga! Desta vez a treta é com os enigmáticos Homens do Pilar, criaturas antigas que despertam de um sono de centenas de anos para tocar o terror no planeta. Nesta fase percebemos o quão eclético o gosto musical de Araki vai se tornando com o tempo, deixando de se limitar ao rock mais pesado para buscar ideias em outros campos.

Pra começar, só com as referências desses quatro vilões já dá pra montar um Rock in Rio! Os Homens do Pilar atendem pelos sugestivos nomes de Wham, Cars, ACDC e Santana. Wham! é uma dupla inglesa de música pop, formada por George Michael e Andrew Ridgeley (era tipo um “Menudos” inglês). A banda de new wave The Cars, cuja música Drive está entre as mais conhecidas, também é homenageada em JoJo’s.

O AC/DC, clássica banda de hard rock, também nomeia um dos Homens do Pilar. E o Santana? Bom, ouçam vocês mesmos…

Lembrou, né?

Também merecem destaque os aliados que ajudam Joseph ao longo de sua jornada: a talentosa e linha-dura mestra do Hamon Lisa Lisa recebeu este nome graças à banda pop estadunidense Lisa Lisa and the Cult Jam. Já seus dois assistentes Loggins e Messina têm seus nomes inspirados respectivamente em Kenny Loggins e Jim Messina, dois músicos de country, soft rock e folk rock, que inclusive já trabalharam juntos por volta da década de 1970.

Por último, destaco aqui um dos vilões menores que Joseph enfrenta em Battle Tendency: o vampiro Wired Beck. Não só o seu nome é inspirado no músico de blues rock Jeff Beck e em um de seus álbuns (Wired, lançado em 1976), mas o figurino desse personagem — camisa listrada e suspensório — se assemelha bastante a algumas das peças de roupa usadas por Jeff.

Inclusive, por pouco eu não deixei passar despercebida essa referência, já que o local onde Wired Beck surge na aventura é bem escuro, dificultando um pouco a visualização dos detalhes de sua roupa.

Stardust Crusaders

Dio Brando está de volta para tirar o sossego da família Joestar e de todos os que se metem com seus planos. Na terceira parte de JoJo’s, Jotaro Kujo e seus intrépidos amigos — incluindo seu avô Joseph Joestar, que retorna à ação ainda mais divertido e carismático — partem em uma jornada pelo mundo para salvar a vida da mãe de Jotaro, enfrentando uma infinidade de adversários até chegarem à cidade egípcia de Cairo para enfrentar Dio.

Uma das coisas mais legais da versão em anime dessa parte de JoJo’s é sua música do primeiro encerramento: nada menos do que Walk Like an Egyptian, da banda de pop rock e new wave The Bangles.

Outra homenagem muito legal vista aqui é a dos irmãos usuários de stand Oingo e Boingo, claramente inspirados na banda de new wave e ska Oingo Boingo. Um dos trabalhos mais conhecidos dessa banda é Weird Science, música escrita por Danny Elfman (que era um dos integrantes dessa banda. Minha cabeça explodiu ao saber disso!) e parte da trilha do filme Mulher Nota Mil.

Além de ser um dos personagens mais incríveis da trupe de protagonistas, Muhammad Avdol também foi inspirado na música, ainda que levemente. Seu sobrenome foi inspirado no sobrenome da cantora Paula Abdul, tendo sua grafia levemente modificada. Já o cachorro presepeiro Iggy recebeu tal nome em homenagem ao “avô do punk” Iggy Pop.

Lado a lado, Muhammad Abdul e Paula Avdol… não necessariamente nessa ordem.

Por fim, a premiada cantora Enya, famosa por dar ao filme O Senhor dos Anéis: a Sociedade do Anel o Oscar de melhor canção original por May It Be, teve seu nome emprestado à personagem Enya Gail, aliada de Dio e uma das várias pedras no sapato de Jotaro e sua turma durante boa parte de Stardust Crusaders.

Aqui ficou só no nome mesmo…

Diamond is Unbreakable

Na quarta parte de JoJo’s Bizarre Adventure, as aventuras grandiosas e jornadas épicas dão lugar a estranhos acontecimentos na pequena e outrora pacífica cidade de Morioh.

Em Diamond is Unbreakable, Josuke Higashitaka, ao lado de novos amigos e antigos personagens, luta para desvendar tais mistérios e manter a paz em sua pequena cidade. Seu Stand, Crazy Diamond, tem seu nome em homenagem a uma música do Pink Floyd, intitulada Shine on You Crazy Diamond.

Alguns stands dessa parte do mangá e do anime possuem referências até bem óbvias e familiares, mas não menos interessantes, consolidando de vez a grande variedade de estilos musicais a influenciarem esta obra. Dois exemplos disso são o stand culinário do excêntrico cozinheiro Tonio Trussardi, que se chama Pearl Jam; e o stand com poderes elétricos do vilão Akira Otoishi, chamado Red Hot Chili Pepper.

O stand Highway Star, pertencente ao personagem Yuya Fungami, tem como um de seus poderes percorrer grandes distâncias em alta velocidade para perseguir suas presas. Seu nome acabou caindo como uma luva, já que é justamente o mesmo nome de uma das músicas mais memoráveis da banda Deep Purple!

Tinha essa música no Rock n’ Roll Racing!

Mas a referência mais bacana que eu gostaria de citar vem do principal antagonista de Diamond is Unbreakable: Yoshikage Kira. Hirohiko Araki fez questão de se inspirar em ninguém menos do que David Bowie para criar as feições deste enigmático vilão em suas primeiras aparições na trama.

Esta foi apenas uma pequena (pequena?) amostra de como a música é a alma de JoJo’s Bizarre Adventure, cobrindo apenas a primeira metade desta grande obra da arte sequencial oriental. Espero que este texto tenha despertado seu interesse nas aventuras da família Joestar, caso ainda não as conheça. Caso já seja fã, desejo que se divirta tanto quanto eu encontrando e conhecendo todas as outras grandes referências não só vindas da música mas de todas as formas de arte que influenciaram este grande mangá.

Para encerrar, aproveito para deixar um pequeno presente pra você que chegou até aqui: estou montando algumas playlists no Spotify para agrupar músicas das bandas referenciadas nas partes 1 a 4 de JoJo’s Bizarre Adventure. Por enquanto tem apenas as referências citadas nesse texto, mas minha meta é, no meu tempo livre, adicionar faixas de todas as referências existentes — e é claro, criar novas playlists para as partes 5 a 8, à medida em que eu for lendo o mangá.

[Com informações de Wikipedia, Reddit e JoJo’s Bizarre Encyclopedia.]

--

--