Fragmentos do Horror e meu primeiro contato com Junji Ito

William Jefferson
Raijuu!!
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5 min readSep 12, 2017

Olá! Meu nome é William. E eu nunca fui chegado em histórias de horror/terror. Boa parte disso vem do fato de que eu sou um pouco sangue frio e quase nada desse gênero mexe comigo de alguma forma. Porém a internet sempre rasgou elogios à Junji Ito, provavelmente o mais influente mangaká do gênero na história. Dentre suas obras mais amadas, figuram Uzumaki, Tomie e Gyo. Sempre quis dar uma chance à ele, mas acaba deixando de lado por falta de acesso fácil.

No fim de julho e início de Agosto de 2017, a editora DarkSide Books trouxe ao Brasil a coletânea Fragmentos do Horror (Ma no Kakera), obra de Ito que reúne alguns de seus mais famosos contos. Finalmente a chance apareceu e decidi entrar em contato com o material dele, já que Uzumaki, outrora publicado pela Conrad, é praticamente impossível de encontrar. O resultado foi uma das leituras mais impressionantes que tive nos últimos anos.

A edição brasileira lançada pela editora DarkSide

O primeiro ponto que chama atenção é a qualidade do trabalho de publicação da DarkSide. Temos aqui um raro caso no mercado editorial de mangás brasileiro, que é o mangá de capa dura. Nesta capa, uma cama de verniz enriquece a magia da apresentação quando posta contra a luz, revelando uma arte propositalmente escondida, encontrada nos contos da obra. Não para na capa. O papel é de altíssima qualidade e a costura é muito bem feita. O conteúdo é apresentado de forma que além de agradar o já leitor tradicional de mangás, ainda é convidativo com uma pessoa que está entrando neste território pela primeira vez, haja visto que o público da DarkSide é variado. Tudo seguindo o padrão de qualidade que a Viz Media norte-americana lança seus mangás de luxo atualmente.

Quanto ao mangá em si, Fragmentos do Horror é um retorno de Junji ito ao terror, já que ele estava afastado do gênero por 8 anos, enquanto trabalhou no mercado de ilustrações e mangás sobre gatos e sociedade. Os oito contos vem em ordem de como foram publicados no Japão (entre 2013 e 2014), o que é interessante para notar como Ito vai retomando sua narrativa ao longo dos capítulos. Se no início temos histórias mais simples com um Ito um pouco amarrado graças ao seu tempo em outros horizontes , nos capítulos finais ele vai te deixando fortemente perturbado, relembrando seu apogeu.

A Mulher que Sussurra

Perturbação é a palavra que melhor define o trabalho de Junji Ito nesse compilado de histórias. Quando comecei a leitura não levei muita fé, já que achei o primeiro conto, Futon, muito fraco. Porém, já no segundo conto, Monstro de Madeira, aonde uma estudante de arquitetura se apaixona por uma casa antiga após visitá-la, a obra já começa a mostrar a que veio. Em Tomio, que é o meu conto favorito na publicação, eu já estava completamente sugado pela proposta de Ito. Isso se manteve nos demais cinco contos do material. Melhor não entrar em detalhes para não estragar a surpresa.

O grande mérito de Junji Ito é o quão ele é fantástico abordando conceitos simples. Suas histórias são muito pautadas no cotidiano, seja de uma casa, de um rapaz que gosta de fazer trilhas ou até mesmo os pequenos tiques que algumas pessoas possuem. Pegar o normal e dar um ar de sobrenatural é a alma. O autor parece também se inspirar bastante na obra de H.P. Lovecraft, com suas histórias misteriosas com criaturas esquisitas e sem explicação aparente. O trabalho do leitor é preencher essas lacunas, que são sabiamente inseridas com este propósito. O objetivo é nos fazer sentir parte, de alguma maneira. Boa parte do brilho de Ito vem de seu estilo artístico, onde as pessoas possuem traços simples e absurdamente naturais, personagens que, ao bater o olho, podemos acreditar que os veríamos na rua, unido a isto vem o grande trunfo do mangá de encaixar um realismo forte nas expressões faciais em momentos essenciais da narrativa, transmitindo a emoção primorosamente. Ao mesmo tempo ele consegue causar desconforto com as criaturas feitas ou com as situações apresentadas. Sua arte vai do simples ao grotesco em uma virada de quadro. Quando ele quer ser nojento, ele é MUITO nojento. O sentimento passa para o leitor, que pode ficar visualmente incomodado caso não esteja habituado. Para fechar o baú com chave de ouro, a narrativa de Ito é genial. O autor sabe que está trabalhando com uma mídia na qual o ato de virar uma pagina é muito importante pra experiência e, em muito dos contos, eu fiquei com receio de passar a página, com medo do que me esperava do outro lado da folha. E, na maioria das vezes, esse passar de pagina foi um forte momento de tensão, que eu nunca havia experimentado.

Futon

Fragmentos do Horror é uma obra que teve a capacidade de me deixar perturbado, sentimento que raramente aconteceu comigo enquanto consumidor do horror. Creio que isto ajuda a provar o quanto impactante é esse trabalho pra mim e o quão incrível os mangás podem ser em mexer com os sentimentos das pessoas, inclusive neste gênero. Qualquer um que goste de histórias com boa narrativa e uma ótima arte, além de horror, obviamente, vai encontrar aqui um prato cheio. E é bom saber que mais material do autor será lançado aqui no Brasil, já que a DarkSide Books já confirmou que lançará uma nova obra de Junji Ito.

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