Notinhas sobre Blame! (2017)

Pedro Henrique
Raijuu!!
Published in
4 min readMay 20, 2017

Nesta sexta, dia 19, a Netflix liberou o filme Blame!, baseado no mangá de mesmo nome de Tsutomu Nihei. Dirigido por Hiroyuki Seshita, que já vai se consolidando no mercado de adaptações animadas em CGI (Ajin e Knights of Sidonia), a obra adapta um mundo tecnológico, que após uma infecção fez com que as máquinas parassem de funcionar normalmente e criassem uma cidade gigante que se constrói e replica sozinha para todos os lados. A humanidade é caçada por essas máquinas e tentam sobreviver nesta ambiente hostil e com recursos escassos. A história circula ao redor de Killy, que perambula pelos níveis dessa cidade lutando interminavelmente contra criaturas na sua busca pela salvação da humanidade.

O mais interessante aqui é abordar a diferença estrutural da obra no mangá e na adaptação animada. O mangá de Nihei te fornece três pontos sólidos: a arquitetura, o silêncio e o mistério. A arquitetura é a alma de Blame!. Muito do que acontece é dito pelas detalhadas estruturas da cidade, pelas escalas gigantescas e a atenção aos detalhes que colocam o leitor diretamente na solidão vivida por Killy. Com isso, o silêncio nasce naturalmente e é necessário para este mundo escuro. O mistério já nasce a partir desses outros dois fatores reunidos. A cidade multi nivelada fala por si só. Já o filme muda sua estrutura.

No lugar de oferecer a história de Killy, a adaptação resolve evoluir com um pequeno vilarejo de humanos conhecidos como Peixes Elétricos. Com a escassez de comida, eles estão fadados a extinção. Em uma operação clandestina liderada pela garota Zuru, um grupo de jovens sai em busca de comida e acabam sendo atacados por máquinas. Killy então surge como a única esperança de salvá-los.

Poster de divulgação de Blame!

O filme não é uma adaptação “fiel”, mas uma adaptação que tenta explicar aquele universo em uma mídia diferente e dá para afirmar que há sucesso nisto. Caso a animação fosse seguir à risca o modus operandi da obra de Nihei, iria se perder mais do que o necessário. Blame! é uma obra tão contida em si mesmo da forma que é feita que é praticamente impossível imaginá-la funcionando em outra mídia que não seja o quadrinho. Logo, a adaptação resolve inserir diálogos, diminui um pouco o escopo das arquiteturas e abandona a total solitude de Killy e dá mais atenção aos conflitos humanos. Killy acaba sendo o motor que faz a história correr de qualquer forma, mas ele tem uma estrutura ao redor dele agora para abraçar o espectador mais suavemente.

Obviamente, essa metodologia acaba cortando o espírito da obra em certos momentos e decide apostar em pontos que não funcionam muito bem. A cidade perde muito de seu protagonismo, mesmo com cenários espetaculares aqui e ali, no tom contemplativo que faz o mangá brilhar. Os personagens não são muito interessantes em sua maioria. No terceiro ato, os conflitos pessoais de alguns personagens não casam muito bem com o que é apresentado nos outros dois atos. Por fim, a história é delicada. Como ela tenta apresentar os mundos e os conceitos de forma diferente do conteúdo original, ela acaba tropeçando em suas amarras. Ela acaba sendo muito simples e não consegue surpreender, apenar servir com uma linha pra narrativa seguir. E fica realmente difícil pra ela querer ser algo além disso, já que poderia acabar ferindo alguns conceitos da história original.

Restam os aspectos técnicos. Os design de som é muito competente. O som das armas e das máquinas que rodeiam aquele mundo é imersivo em um nível bem satisfatório. Porém, as músicas não são tão interessantes, principalmente as de batalha. Como já dito, a apresentação dos cenários e das estruturas do mundo é riquíssima e o filme ganha muito quando parte para ares mais contemplativos usando isso de base, pena que acontece menos do que deveria. A CGI (um bom trabalho do estúdio Polygon), embora seja a melhor que eu tenha visto nesse tipo de obra, ainda me tira bastante da imersão. Quedas de frames ainda acontecem bizarramente e a anatomia acaba por perder muito de sua expressividade também. Adoto muito da filosofia na animação de fazer com que cada ação tenha algum impacto, às vezes por menor que ela seja. O CGI ainda não consegue transmitir isso, apesar de estar em constante evolução. Porém, as cenas de luta são muito bem trabalhadas e nota-se o grande esforço da equipe com elas.

No fim do dia, Blame! é uma animação competente. Pega uma obra difícil de trabalhar e consegue encontrar uma forma de contá-la ao público. Embora não seja nada de especial, vale para ver um mundo diferente e criativo em seu próprio modo. E até encorajar a ir atrás do mangá de Nihei. E caso o espectador chegue nesse estágio, valerá muito a pena.

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