O poder de uma dublagem e One-Punch Man

Ives Aguiar
Raijuu!!
Published in
5 min readSep 11, 2017

“Rapadura é doce mas não é mole não”

Esse dito popular pode ter saído da boca de qualquer um, principalmente daquele que mora na região Nordeste.

Por isso, é bem estranho ouvir tal expressão saindo da boca de Yusuke Urameshi, protagonista do anime Yu Yu Hakusho. Foi uma produção que teve o seu relativo sucesso mundial, mas graças a jocosidade da dublagem os brasileiros simplesmente se identificaram e amaram a série.

Não que a inserção de termos populares fossem o principal motivo da adoração. É que além de lutas iradas, personagens cativantes, premissa envolvente, você tinha um excelente trabalho de dublagem.

Desde então, rola um certo distanciamento e apreço por esse trabalho em animes. O motivo é difícil dizer, mas tirando novas séries de marcas já consagradas como Dragon Ball Z e Cavaleiros do Zodíaco, ninguém quer ir atrás de realizar um trampo bacana na dublagem.

Em animações como um todo, existe um cuidado espetacular feito nos últimos anos, principalmente tratando-se da Cartoon Network como Adventure Time, Regular Show e The Amazing World of Gumball. Mas e os animes? Quando voltaremos a época de “tá pensando que berimbau é gaita?” ou “você é grande, mas não é dois”?.

Eis que chega One-Punch Man.

Sorrateiramente, junto com o anúncio da ida do anime da garotada para o Netflix, o serviço de streaming também mandou avisar que ia dublar a série do herói careca.

Alguns ficaram animados e ficaram deveras loucos da cabeça quando viram o resultado. Isto porque está recheado de termos brasileiros, linguagem solta e uma ótima atuação em sua totalidade.

Pode parecer que me contento com pouco mas isso é extremamente importante. Não por nós remeter para uma época em que o trabalho de dublagem em obras japonesas era abundante, bem feito e devidamente adaptado para o público brasileiro mas por ser um exemplo perfeito do papel que a dublagem pode ter em uma obra estrangeira. Coloca vozes aproximadas aos perfis dos personagens e mantêm as temáticas abordadas pela narrativa principal.

Embora seja um clássico, o trabalho feito em Yu Yu Hakusho chega a ser um pouco exagerado, como se o diretor de dublagem se esforçasse para inserir uma piadinha a cada episódio ou a cada segundo.

Em One-Punch Man existem momentos engraçados, já que não se a leva a sério, mas não é o tempo todo e sabe muito bem dosar o humor tupiniquim. Em certo momento, Saitama aponta para alguém e solta “você está só o pó da rabiola”. Em outra instância, Genos está lendo uma carta e o voz-off solta um “miguxo”. São apenas alguns exemplos espalhados pelos episódios e não só isso, a atuação é condizente e diria até que espetacular.

A voz do Saitama, feita por Yuri Chesman, é calma e simples. Dá para sentir um tom de leveza, sem preocupação nenhuma com os acontecimentos, até mesmo quando explode e grita com os outros. Tipo aquele seu amigo de boa que de vez em quando fica puto com umas paradas.

Já Genos, dublado por Michel Di Fiori, entra no esteriótipo do mocinho que quer ser o melhor e procura alguém mais sábio, forte, para ensiná-lo o caminho correto. Um ótimo contraste para o herói por diversão que é o nosso careca fortão.

O maior exemplo da atuação, pode ser visto em na cena onde Tanktop Black Hole aplica o método mais brutal que existe segundo ele: colocar a culpa de algo terrível no nosso herói desprovido de cabelo por algo que fez sem querer. Desde a intenção de derrubar a moral do protagonista, até a entonação, mudando o tom de voz enquanto se acha o gostosão das tapiocas, é uma ótimo momento.

Muita gente não consegue explicar ou entender a importância desse tipo de trabalho. A legenda manter parte da obra original, inserindo apenas uma tradução dos acontecimentos, enquanto a dublagem filtra toda a narrativa para uma outra perspectiva.

Nesse caso, temos uma empreitada que não só respeita a obra original mas sabe aproveitar a temática que One-Punch Man explora.

A série é uma grande sátira dos animes de porrada para o público jovem masculino, conhecidos como shounen. É seguro dizer que brinca com a maioria dos conceitos apresentados em Dragon Ball, principalmente a ideia de um ser mais forte que sempre aparece em uma nova temporada e o aumento de poder exponencial dos personagens.

Em nenhum momento, essas ideias se perderam na versão brasileira, as vozes conseguem muito bem captar isso. Toda vez que um vilão ou um herói realiza um discurso, ou apenas está realizando a clássica “conversa enquanto luta” é bem caricato, imponente, cafona e corrobora com o tom jocoso do anime.

Nem todo mundo quer ler legendas. Pode parecer algo insano, mas já conheci pessoas que não gostam de dividir a atenção entre as letras e a imagem. É entendível, principalmente para animações aonde estamos acostumados a não ter legendas aparecendo na nossa frente.

Yu Yu Hakusho, Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco vivem nos nossos corações por que grande parte do público consumiu essas obras quando eram mais jovens. Por destoarem da maioria e se aproximar do público com linguagem fácil, fizeram uma enorme impressão com a garotada.

Querendo ou não, o verdadeiro público desse estilo de anime é o menino/menina jovem e enquanto eles aplaudem uma legenda, nada impede de também aplaudirem uma ótima dublagem. Arrisco dizer que com a dublagem é mais fácil de ser digerida e apreciada.

O questionamento da dublagem de One-Punch Man abrir precedentes para uma nova era está aberto mas é muito difícil dizer se tornará uma realidade. Rezar é a única coisa que nos resta.

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