A carência de participação feminina nas igrejas católicas contemporâneas.

Como, mesmo havendo a prevalência feminina no exercício da fé, ainda há o domínio masculino nos cargos de poder desse meio.

Raissa Oliveira
Raissa Azevedo
5 min readFeb 12, 2019

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Cena do seriado The Handmaid’s Tale. Fonte: HBO

A fé cristã se divide em diversas vertentes semelhantes, entre essas uma que mais se destaca, por possuir o maior numero de seguidores atualmente, é a fé católica, ou o catolicismo. Estima-se que o número de católicos por todo o mundo esteja em volta de 1,2 bilhões, segundo dados de 2015, ou seja, mais de 17% da população mundial segue a fé católica. Contudo, apesar do crescimento desta religião por todo o mundo, o número de seguidoras femininas tem decaído.

O que tem ocorrido é que as mulheres continuam sendo mais religiosas que os homens, porém, a adesão feminina à religião católica atualmente é menor do que a adesão masculina e apresenta um viés ainda mais negativo. As razões para isso envolvem diversos fatores sociais.

A principal razão para essa ocorrência — acima de todos os outros motivos — é o conservadorismo católico. A religião tem se baseado nos mesmos preceitos por toda sua história. Ao longo de todos os seus 2000 de existência, a religião pouco mudou quanto à inclusão feminina, ou à inclusão de outras minorias.

Diferentemente de religiões como o judaísmo, que tem tentado acompanhar as mudanças no papel da mulher na sociedade e tem até permitido a formação de mulheres rabinas, ou como o próprio protestantismo, — que assim como o catolicismo, é uma das vertentes do cristianismo — o qual permite, em uma grande parte das igrejas, o exercício do ministério eclesiástico pelas mulheres, a fé católica ainda encontra-se em um passado conservador, sem permitir a participação feminina no sacramento da ordem. Impendido-as de exercer cargos mais altos e, ainda por cima, quase que se recusando a falar sobre, visto que o Papa quando cita o assunto, normalmente o faz de maneira breve e superficial.

A justificativa da religião para a razão de não haver mulheres como sacerdotisas, é que essa designação não cabe aos religiosos, visto que foi uma ordem divina, provinda de Jesus Cristo e exposta na Bíblia Sagrada, além de que, como o sacerdote representa a imagem de Cristo na Terra, — in persona Christi — somente um homem poderia representá-lo fielmente. Porém, essa tradição bíblica usada como justificativa, tem sido cada vez mais contornada nas ultimas décadas, inclusive em situações que o próprio Papa Francisco tem usado de seu poder eclesiástico para incluir minorias na igreja, como ao tratar sobre a inclusão de divorciados e de gays no exercício do catolicismo.

Apesar da ausência de mulheres no topo da pirâmide do poder da religião, não faltam figuras femininas que marcaram o catolicismo. Desde supostas lendas como a Papisa Joana — a única mulher papa dentre os 266 papas ao longo da historia — até figuras emblemáticas como a de Irmã Dulce, a fé católica foi sempre marcada pela figura feminina. A principal figura é a de Maria, mãe de Jesus, a qual é idolatrada por milhões de fieis, sendo uma das figuras religiosas mais cultuadas na religião, junto com a imagem de outras santas como a Nossa Senhora de Fátima ou a Nossa Senhora das Graças. Além das figuras sagradas, a participação feminina se dá também no exercício da fé, com mulheres como Teresa de Ávila e Teresa de Calcutá, a primeira uma importante teóloga, tendo sido a primeira mulher a ser declarada Doutora de Igreja e, a segunda, uma humanista e a fundadora da congregação das Missionárias da Caridade, sendo um símbolo de bondade por todo o mundo.

Duas freiras em um convento moderno. Foto:Getty Images

A ausência da participação feminina como sacerdotisas não é a única razão para o afastamento das mulheres da religião, o preconceito, a falta de reconhecimento da sua prestação de serviços religiosos e até mesmo as más condições — no caso das religiosas professas, especialmente — são motivos que afastam cada vez mais as mulheres da fé católica.

Quanto ao preconceito, isso advém desde o inicio da humanidade. Tal qual Maria Madalena, muitas mulheres são diariamente “apedrejadas” por ser quem são, seja como mãe, ou como esposa, ou simplesmente como mulher, as mulheres são julgadas pela sociedade por suas ações e isso não difere dentro da igreja, onde, muitas vezes, elas são ainda mais oprimidas por imposições e pelas regras religiosas arcaicas.

Já quanto às más condições, como foi exposto por um artigo do jornal The Guardian recentemente, há um histórico de exploração dos serviços das freiras, aliado a invisibilidade de seu papel. Muitas irmãs têm de fazer serviços domésticos em ritmos excessivos, sem receber nenhuma remuneração. Segundo um relato de uma irmã, algumas delas têm que servir os membros eclesiásticos sem poderem nem ao menos estabelecer contato direto com eles.

Mesmo em meio a um viés pouco positivo, a luta feminina por emancipação e visibilidade tem surtido efeitos positivos até dentro do meio religioso. Algumas das conquistas alcançadas até agora podem representar uma esperança para as católicas de, no futuro, se verem propriamente representadas em sua igreja. Apesar de que, por enquanto, é pouco provável uma ascensão significativa na participação eclesiástica feminina, visto que o patriarcado e a visão machista ainda dominam a perspectiva religiosa.

Mesmo assim, entre as vitórias alcançadas está, mais recentemente, a nomeação, pelo Papa, de Barbara Jetta como diretora dos museus do Vaticano, a primeira mulher a exercer esse cargo. Além disso, aos poucos, o Papa tem aberto a discussão sobre o papel da mulher na igreja, como ao tornar pública sua carta escrita para a autora Maria Teresa Compte Grau, que está escrevendo um livro sobre a visão da igreja a respeito da participação feminina. Na carta, ele fala sobre suas preocupações sobre a falta de espaço para mulheres e sobre o seu papel nas igrejas.

É possível imaginar que, pelo menos em uma ampla perspectiva, a religião está tentando incluir as mulheres, mas essas mudanças são a passos lentos e se dão publicamente apenas pelas grandes figuras eclesiásticas. Já em um menor plano, pouco se ouve falar sobre padres ou arcebispos que ajam para mudar o papel da mulher na igreja.

Aparentemente, o caminho a percorrer para uma mais completa participação feminina no catolicismo ainda é grande, mas pode-se, ao menos, esperar melhores perspectivas para o futuro, visto que, o assunto vem sendo cada vez mais debatido. Mulheres ganharão sua visibilidade merecida e quem sabe, assim, a igreja poderá melhorar verdadeiramente.

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Raissa Oliveira
Raissa Azevedo

Feminista. Apaixonada pelo universo, por músicas e por doces. Acredita que (quase) tudo pode ser relativo. Escrevendo para aliviar e alimentar a alma.