10 mil mortos.

Gruno
raiz
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5 min readMay 8, 2020

esse número ainda é projeção, mas vai virar só uma fração em poucos dias.

Não sei se vc sabe, mas parece que temos rolando agora uma pandemia que vai afetar profundamente nossa geração e o mundo.

Eu pensei de falar sobre arte nesses tempos, pensei em falar sobre saúde mental, pensei em falar sobre a política de morte que o governo brasileiro tem empurrado pra cima da população, sobre a intensificação do autoritarismo, sobre a diferença entre o vírus e a doença, sobre o racismo contra pessoas de ascendência asiática.

Mas eu quero falar sobre os protestos pró-economia.

Fica com o vídeo do mozão Igor, do Jornal Antijurídico, sobre as CoronaCracias:

E fica com o vídeo do mozão internacional do Philosophytube sobre arte nesses tempos de bosta:

vamo.

Os Fatos:

Protestos contra a quarentena. Centenas ou até mesmo milhares de pessoas fizeram diversos tipos de protestos contra as medidas de isolamento social.

Boa parte da lógica dos manifestantes passa por alguns dos itens abaixo:

  1. Os danos econômicos da quarentena serão muito graves;

2. O COVID-19 não é uma doença tão grave assim, há muito alarmismo;

3. Há intenção política no alarmismo: desgastar o governo bolsonaro;

Talvez ainda mais gritante que o conteúdo altamente negacionista do argumento 2 (o iluminismo nunca pegou no brasil real, né pessoal, temos que assumir isso) é o apoio descarado do presidente aos atos, inclusive com o mesmo indo para as aglomerações, agitando a plateia com um ícone fitness da escolinha do professor raimundo nos anos 80.

A gente vive numa comédia apocalíptica com um roteiro muito escroto.

Brancxs, 40+, indumentária ufanista. A rua é deles.

As jogadas:

Tá, eu quero partir pra análise fazendo um exercício muito simples: vou partir do pressuposto que o bolsonaro não é louco, burro ou um completo idiota.

É difícil, quero ressaltar que eu acho que ele seja todas essas coisas e muito mais, além de desprezível.

Mas vamos lá.

Ao meu ver, podemos mapear que as táticas do governo para lidar com a crise são a) negar a gravidade da doença, b) opor saúde e economia, c) apostar numa saída milagrosa (tipo cloroquina) e d) defender o empresariado.

A gente pode falar o que quiser sobre o bolsonaro, mas não podemos dizer que ele é conservador nas apostas estratégicas que faz. Como disse o analista Marcos Nobre já na época da eleição de 2018, Bolsonaro é o representante do colapso e ele vai manter um estado constante de crise e colapso. Achar que alguma coisa vai acalmar esse governo, trazer de volta para o normal ou para um padrão a que nos acostumamos é puro delírio e até agora, com um ano e meio de governo, não tem nenhum lastro na realidade.

As táticas adotadas por ele são todas de alto risco e alto retorno (tirando defender o empresariado, essa daí até a esquerda liberal sabe que funciona e mesmo assim vc pode terminar sendo preso), todas as táticas ousadas não tem base na realidade material atual: a doença é grave, saúde e economia não se opõem e não há no momento nenhuma saída milagrosa para a crise, mas se alguma delas por ventura der certo, só esse governo estava defendendo.

Cabe observar que a oposição entre saúde e economia é tanto uma construção ideológica que é difícil pensar em como ela ‘daria certo’ enquanto tática. A ideia é que quando tudo passar, vai ter gente falando que não era tão grave assim e que o desemprego mata mais que o vírus, pura ideologia, mas esse discurso pode pegar na população para além das hostes bolsonaristas.

Além disso, o cenário de extrema gravidade causou uma das coisas que mais alimenta o bolsonarismo: a narrativa de nós contra eles. A ONU, a ciência, a mídia, a OMS, os governadores; todos estão contra o bolsonaro e o bolsonarismo, isso gera um dos combustíveis mais eficientes dessa nova política reacionária que é a galvanização constante da base.

Os defensores do governo estão super mobilizados e plenamente alimentados pela narrativa que mais os convém: são os defensores do trabalho, os motores da economia, os avatares do desenvolvimento.

Quer saber a parte mais deprimente disso tudo? É que está funcionando. Na verdade o desgaste pela quarentena é tão grande, que a figura do bolsonaro ganha com isso, ao passo que os governadores que as impuseram perdem. Os impactos econômicos iam vir de toda forma: com quarentena e um número X de mortes ou sem quarentena com um número 10X de mortes, mas quem estava tentando salvar a economia? Quem estava do lado do empresariado brasileiro desde o começo?

Além disso, nos últimos dias há uma intensificação da narrativa de golpe, tema para um próximo texto.

Versão curta: Não esperem mudança.

A síntese:

Como é possível contra-atacar a argumentação negacionista? Ao meu ver, existem táticas possíveis, mas existe um erro muito central sendo cometido:

A oposição falha quando não moraliza e politiza as coisas. Existe um discurso muito forte, por parte de quem se opõe ao bolsonaro, que defende a existência de decisões técnicas que estão acima da moral e da política. Não existem. Toda política, por melhor fundamentada em ciência e técnica que seja, é uma decisão política, é escolher um lado, é tomar uma posição. É fundamental descer do pedestal e entender que existe um embate a ser travado contra quem nega a realidade no nível dessas pessoas.

Estar deliciosamente confortável dentro da torre não vai te proteger do tsunami de chorume.

A oposição falha quando tenta moralizar, patologizar ou criminalizar o outro lado, o embate não está em nenhum desses âmbitos.

Eles estão politizando a doença, nós temos que politizá-la também. Não existe vitória de uma ciência sem afetos e diante da política; não existe vitória do legalismo e da judicialização, como se justiça e Justiça existissem e se a primeira representasse a segunda.

Nenhuma autoridade moral ou científica vai aparecer pra derrubar o comportamento presidencial, ninguém vai colocar juízo na cabeça dele. A gente tem que parar de ver heróis nos freios de emergência e protagonistas por ocasião (tipo o Rodrigo Maia, Dória ou um ministro do STF).

A saída tem que ser política. Se bolsonaro opõe saúde e economia, temos que demolir essa oposição e mostrar que não existe escolha. Vamos frear a doença e sofrer com esses impactos econômicos ou vamos encarar o peso de um milhão de mortos daqui há pouco? Vamos deixar os pobres morrer com leito do Einstein vago ou vamos unificar as filas hospitalares?

Veja: não existe saída simples, não existe um convite à razão que possa ser feito. É necessário desconstruir um projeto político genocida para colocar outra coisa no lugar. Devemos pressionar pela renúncia, devemos combater os tiozões de zapzap por aí, devemos nos preparar pelo que vem pela frente. A triste realidade é que estamos no meio da crise e não estávamos prontos pra ela, não há solução de curto prazo.

A tática agora, no meio dessa crise, é a mesma de antes dela: disputar a base, explorar as fraturas que vão surgindo entre governo e população e tentar reverter a maré reacionária. Desculpa, mas se vc acha que a saída é uma canetada aqui num pedido de impeachment ou ali num pedido de renúncia, venho dizer que sempre tem um alçapão no fundo do poço.

O projetinho de hitlerzinho tropical finalmente tem o seu projetinho de holocaustinho tropical. Infelizmente não vejo nenhum mecanismo de freio capaz de impedir essa tragédia.

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