ANTIFASCISMO

Gruno
raiz
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7 min readJun 3, 2020
Execução de Mussolini depois de décadas de tragédia e morte na Itália.

Há muito do que se falar sobre fascismo e antifascismo, tento juntar um pouco da minha perspectiva aqui.

Existe uma briga teórica boa sendo tangenciada nessa coisa meio vazia sobre cor de bandeira, se a xuxa pode ou não ser antifa e tals.

Muito disso aparece por conta de uma concepção de antifascismo como uma negação a uma proposta. O que o tornaria vazio de sentido, podendo significar qualquer coisa.

Isso surge muito por não entendermos direito o que é fascismo, o que não é culpa de ninguém, mas fruto de uma irresponsabilidade coletiva de por um lado banalizar o termo e do outro sermos preciosistas demais pra aplicá-lo.

Então antes de falar de antifascismo, vou me dedicar uns parágrafos pra falar sobre o que é fascismo.

a imagem é zueira mas o texto é sério não desistam de mim pfv

Fascismo

A gente pode classificar fascismo como a sobreposição de algumas coisas que são fundamentalmente entrelaçadas, mas que podemos dividir para facilitar na análise que quero propor aqui.

a) Fascismo foi o regime político da Itália comandada por Mussolini entre 1922 e 1945, isso significa uma determinada prática governamental e uma série de determinadas ações e discursos políticos, que encontram apoio na conjuntura histórica e social daquela época. (fascismo histórico e fascismo político)

b) podemos dizer que o fascismo da itália dos anos 20 aos 40 do século passado foi a cristalização de uma série de ideias e práticas que já existiam e que continuam existindo, e podemos chamar esse conjunto de ideias e práticas de fascismo também. Essa perspectiva nos permite falar, por exemplo, de um proto-fascismo e de um neo-fascismo. (fascismo ideológico)

c) se alguém se declara fascista, você não precisa descobrir todas as opiniões da pessoa poder classificá-la como fascista. (fascismo como identidade)

O governo Bolsonaro é fascista? Pelo critério A, ainda não, pq ele não comanda um sistema político fascista nos moldes do de Mussolini. Mas pelos critérios B e C, a análise pode render muito mais.

Há entre apoiadores do bolsonarismo quem seja abertamente fascista. Quem morra de saudades do período mais rígido da ditadura militar e quem sonhe com a aniquilação dos inimigos políticos através de um estado policial. Pelo critério C, não digo que bolsonaro seja fascista, mas é uma análise bem sólida apontar que parte de sua base é sim.

Aqui eu trago uma análise feita pelo Umberto Eco (nesse texto aqui) sobre esse fascismo ideológico, pensando no critério B. O autor italiano lista esses 14 critérios, que não exigem muito esforço para serem relacionados com a construção ideológica do bolsonarismo:

1. Culto da tradição.
2. Recusa da modernidade.

3. Culto da ação pela ação.

4. Desacordo é traição.

5. Intolerância contra o diferente.

6. O Fascismo provém da frustração individual ou social.

7. Crença no nacionalismo e em grandes conspirações internacionais.
8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo.

9. Anti-pacifismo.

10. Elitismo de massas

11. Na ideologia Fascista o heroísmo é a norma.

12. Machismo e misoginia.

13. Populismo Qualitativo (direitos humanos pra humanos direitos).

14. Limitação da linguagem.

Encerro esse ponto com a seguinte conclusão: ainda que o governo bolsonaro não esteja em um momento institucional fascista, a ideologia bolsonarista é claramente fascista e dentro das fileiras de seus apoiadores há fascismo entranhado em diversos níveis diferentes.

Antifascismo

Antifascismo é uma coalizão ampla contra o retrocesso representado pelo fascismo. É a aposta de que há força nos números para barrar o autoritarismo e a violência do fascismo.

Eu fico bastante impressionado que haja um resgate de versões mais puristas do movimento antifascista diante dessa nossa realidade atual e de uma conjuntura em que o fascismo cresce. Tentativas de cercar o termo ignorando uma de suas principais características.

Os movimentos antifa da Espanha e da Alemanha do início do século XX são provas de colaboração dentro da esquerda radical que devem sim servir de exemplo para nós hoje, de servir como exemplo de formas de resistência criadas a partir do embate contra os grandes inimigos. Esses momentos nos mostram a proximidade e as afinidades que existem dentro da esquerda, coisa que tão facilmente esquecemos quase que todo dia.

No entanto, esses dois movimentos perderam. O nazismo venceu a disputa interna na alemanha, o franquismo aterrorizou a espanha por 40 anos mais depois da guerra civil espanhola.

Quando a gente foca nas versões mais puras, saímos do âmbito prático do antifascismo e abrimos mão de participar na condução desse projeto político, nos colocando num pedestal moral que é tão bonito quanto inútil. Há de se disputar o antifascismo, mas isso tem que ser feito de outra forma.

Quer um exemplo bem sucedido de aliança antifascista? Minha dica é olhar para as forças dos aliados, que foram quem de fato eliminou o fascismo europeu enquanto força política (ao custo de milhões de vidas e com um protagonismo muito invisibilizado da URSS).

As fotos de Churchill, Stalin e Roosevelt não são de figuras pelas quais eu nutro qualquer carinho, assim como de forma alguma um apoiava a visão de mundo do outro. No entanto, acho que representam a forma mais efetiva que o antifascismo teve, assim como algumas conquistas básicas que vieram do pós-segunda guerra são conquistas óbvias e evidentes do antifascismo, são elas:

- direitos humanos universais;

- multilateralismo via ONU que reconhece o valor de nações independente do seu tamanho;

- responsabilização de quem comete crimes contra a humanidade;

- aprofundamento e manutenção dos estados de bem-estar social na europa ocidental;

Se o antifascismo aliado ficou muito aquém de enfrentar o imperialismo, se tornando em certa medida um novo ator do controle imperialista da periferia do capital, não podemos ignorar a importância que uma instituição como a ONU tem ao possibilitar diálogos multilaterais entre países dessa periferia. Não é hora de negar essa conquista, e sim de defendê-la e aprofundá-la radicalmente.

É muito contestável o quanto essas medidas funcionaram e o quão longe elas estão de soluções definitivas para os problemas que visam atacar (imperialismo, exploração e genocídio). Mas o que importa aqui é ver que o antifascismo não é vazio de propostas, ele não é a negação da proposta fascista.

A proposta fascista que é a negação, que é um retorno a um mundo anterior, que é profundamente reacionária. O fascismo propõe um nada, uma negação.

Por isso o antifascismo não é só amplo, mas também é muito potente como força de criação.

Longe de querer defender as medidas do pós-guerra como monolitos, mas precisamos entender que o antifascismo trouxe ao mundo a primeira declaração universal de direitos humanos, o que não é pouca coisa.

Precisamos entender que essa declaração nunca se aplicou de fato na periferia do capitalismo e que as iniciativas propostas não combateram o grande motivador do pŕoprio fascismo, mas temos que entender também que a alternativa que se mostrava era a do genocídio e da instauração de um projeto supremacista.

Radicalidade Antifa

Não defendo a pureza do antifascismo, mas também não defendo abaixar a cabeça pra versão liberal do mesmo. Temos que entender o movimento de tensão entre a radicalidade e a composição.

Antifascismo é naturalmente composição, mas isso pode ser feito de forma consciente sem abrir mão dos valores radicais.

Se por um lado é hora de não abrir mão dos princípios básicos que a esquerda radical defende: democracia radical, antirracismo, antimachismo, antilgbtfobia e o fim da exploração humana. Por outro é uma falha muito grave de leitura de conjuntura achar que o estado atual da esquerda radical é o suficiente para combater o militarismo e organização fascistas.

É necessário entender e defender que o fascismo possui ligações profundas com o capitalismo, sendo nada mais do que um movimento de enrijecimento e supressão das liberdades burguesas (liberdade de expressão, circulação e de voto) apoiado pela própria burguesia.

Precisamos entender que o fascismo é uma tentativa de salvar um sistema em decadência, em que se abre mão tranquilamente dos valores liberais para não se abrir mão do controle econômico e da produção por parte de um setor pequeno da sociedade.

Ao mesmo tempo, é necessário entender que a democracia burguesa permite um mínimo de espaço de organização e estruturação de movimentos de esquerda radical, que sem esse pequeno espaço a situação seria ainda muito pior.

É fundamental incluir sociais democratas e mesmo liberais democratas no movimento antifascista, mas ao mesmo tempo usar a visibilidade que essa aliança ampla traz para defender as posições mais radicais.

Não há salvação dentro da democracia burguesa, não existe ética no mundo governado pelo capital, mas precisamos entender que a saída desse cenário que está representada pelo fascismo é muito pior do que ele.

A posição radical aqui é, ao meu ver, ampliar a aliança antifascista, ampliar o apoio com os movimentos feminista, negro e lgbtqia+, que são os primeiros alvos da máquina fascista.

Ampliar essa aliança envolve não cair nas disputas vazias sobre quem pode e quem não pode militar como antifa, mas sim defender o rigor das definições da esquerda radical e estender a mão para quem quiser colaborar com esse combate.

Ao mesmo tempo estamos no momento de ter linhas teóricas e práticas muito bem definidas: é necessário discurso alinhado na defesa da radicalidade, é necessário entender que compor com alguém implica em tentar disputar a base do aliado. É hora de agir com consistência, entender que a aliança de circunstância não é definidora do projeto político de longo prazo, é hora de disputar o público mais amplo e de crescer.

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