Cai um ministro

Gruno
raiz
Published in
4 min readMay 4, 2020

términos machucam.

Os fatos:

O juiz da lava jato/ celebridade / inquisidor / bátima sérgio moro se demitiu do cargo de ministro da justiça na sexta-feira dia 24/04.

Isso aconteceu depois de um longo processo de tensionamento entre ele e o presidente, com a crise pontual da demissão girando em torno da nomeação presidencial do novo diretor da polícia federal, substituindo um nome de confiança do ministro da justiça.

Depois de duas coletivas que mais pareciam aquelas longas cartas de termino de um relacionamento romântico, o cenário político ficou tenso e muito incerto. O Paulo Guedes ia sair também? Os generais iam dar um golpe? O governo ia chegar ao fim?

O que podemos desenrolar do novelo de fatos que foi a demissão e o distanciamento entre bolsonaro e moro?

As jogadas:

Quando o bolsonaro foi eleito, a análise era de que o seu governo tinha 6 pilares de sustentação, me refiro a um mapeamento na equipe de transição feito pelo estadão.

Acho que é uma chave interessante de análise e os pilares eram representados nas seguintes alas:
-Lava-jatistas: figura central o Moro
-Militares: figuras centrais sendo os generais haitianos de um lado e o mourão de outro
-Ideólogos (e familiar): Figura central fora do governo no papel do Olavo de Carvalho, do Abraham Weintraub e nos filhos, em especial o Carluxo. Acho que essa ala talvez seja a mais próxima das milícias tbm.
-Ruralistas: na figura da ministra Ana Cristina, do antiministro do meio ambiente e na figura de articulador do Nabhan Garcia
-Neoliberais: figura central o Paulo Guedes mas também o empresariado que está alinhado com ele como o véio da havan, o chamado brasil 200.
-Evangélicos: papel muito importante na guerra cultural travada, no governo tem a figura da Damares, mas fora tem o Edir Macedo, o malafaia. Esse pilar dá uma capilaridade de base muito grande e real ao bolsonarismo.

A gente consegue entender muito das intrigas palacianas ao longo de 2019 e 2020 a partir dessa chave. As 6 alas estão em contante movimentações de atrito e encaixe. Um exemplo interessante foi a disputa pela secretaria de comunicação, entre militares e ideólogos, que culminou com a queda do ministro militar Santos Cruz por outro militar alinhado (ou pelo menos não tão combativo) a ala ideóloga, Luiz Eduardo Ramos.

A demissão do ministro Sérgio Moro é algo de impacto profundo no apoio lava-jatista ao governo bolsonaro, esse pilar era também um dos mais hierarquizados na medida em que era muito centralizado em torno da figura do ex-juiz. Seria esse um abalo muito intenso na estrutura do governo?

Vou defender que não. É interessante ver que a Lava-Jato fazia muito mais uma função ideológica e propagandística do que prática no governo. Na verdade, a função prática da ala lava-jatista do governo era uma: neutralizar a figura política do Moro: seja dando uma futura vice-presidência para ele ou então oferecendo uma vaga no STF que sanasse sua sede eleitoral.

Na ideologia e propaganda, o lava-jatismo representa um governo que se posiciona contra a corrupção, visto por setores da sociedade como o grande mal do país. Perder isso é ruim, é se associar à velha política e talvez tenha impacto eleitoral grande para um governo que passa por constantes crises desde que começou.

Na prática, o lava-jatismo atrapalha em muito formar alianças com quem é investigado, como é basicamente toda a ala fisiológica do congresso. Na prática, os próprios filhos do presidente estavam correndo risco. Na prática, conseguiram segurar por um ano e meio o Moro basicamente sem que ele fizesse muita coisa, além de atrelar o nome dele ao bolsonaro.

É evidente que há uma desestabilização do governo por conta dessa movimentação, mas não acho que seja o fim do governo bolsonaro. Há a expectativa de movimentação por parte do setor neoliberal e isso pode mudar radicalmente o cenário.

Síntese:

Se por um lado isso é infeliz por conta da continuidade do governo e por conta do abalo menor do que parece aa primeira vista, não se pode ignorar a oportunidade de aprofundar o debate da desmoralização do governo e organizar um movimento mais unificado da oposição para pressionar a saída do governo com uma alternativa à esquerda.

Esse processo esta muito incipiente, ha de se fazer ainda uma analise sobre como esta organizada a oposição ao governo, dentro dela, como esta a dinâmica do chamado campo progressista e ainda mais especificamente como esta a esquerda.

Não são tempos simples e cobrar uma resposta a altura da esquerda me parece nesse momento uma falha de analise e de percepção sobre o tamanho da desorganização imposta pela derrota eleitoral em 2018, pelo golpe em 2016 e pelos anos de desmobilização que vieram antes.

As ruas estão fechadas para a oposição mostrar sua principal força via protestos e movimentos de massas, assim como ainda há uma fratura muito profunda na base popular que poderia fazer a diferença na disputa política entre oposição e governo.

Uma possível virada de jogo pode vir da materialidade que a crise da pandemia tem. A economia vai ser muito afetada, as pessoas vão perder entes queridos, é muito difícil manter as narrativas de negação que o governo tem utilizado diante de fatos materiais sensíveis como esses, mas isso é tópico para um outro texto.

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