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“that’s not writing, that’s typing” — Capote

Daniel Sousa
Random Acts
2 min readJan 31, 2014

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De repente, Jerry não estava mais lá. Suas pernas ficaram moles, ele não conseguia mais sentir seu pescoço. O que era muito incômodo, uma vez que tinha quase certeza que sua cabeça continuava fisicamente presa a ele. Sabia que estava piscando, mas aparentemente, suas pálpebras não estavam onde deveriam estar — cobrindo seus olhos. Subitamente, isso também deixou de ser um problema, porque ele já não estava mais enxergando. Ou era isso que lhe parecia, pois o que seu cérebro registrava não condizia com a varanda da casa de seus pais. A mesa branca de plástico, a piscina, o notebook a sua frente, o cinzeiro que sua irmã trouxe de Barcelona.

A princípio, tudo isso foi substituído abruptamente por um besouro gigantesco, de asas abertas, um grande teclado antigo de máquina de escrever onde deveria estar o corpo do enorme inseto. Mas isso também logo sumiu de sua vista, sem que ele pudesse entender que essa cena fora apenas resgatada de seu subconsciente, um frame de um antigo filme do Cronenberg, na tentativa de transformar a situação em algo que fizesse o mínimo sentido.

Seu subconsciente estava trabalhando com uma sobrecarga imensa, fazendo o trabalho sujo para Jerry, que não conseguia processar diretamente o que estava acontecendo, trazendo a tona alguma coisa, qualquer coisa, que servisse como o fio que puxasse o resto do raciocínio para compreender o incompreensivel. Jerry sentiu sua cabeça esquentar, literalmente, como um motor cujo sistema de ventilação houvesse parado de funcionar.

Ele ainda assistiu, sem poder interagir, a algumas outras cenas produzidas pelo seu subconsciente, que buscava incessantemente por uma peça que se encaixasse na situação. Mas foi inútil. Sua mente buscava pelo bloco que faltava para completar uma linha de Tetris, sem saber que não havia peça que se encaixasse no vão que surgiu em sua linha de raciocínio.

Após algumas tentativas frustradas, seu cérebro simplesmente parou. Bruscamente, a realidade voltou ao normal. Por uma fração de segundo, não havia nada, uma total ausência de percepção. E então, lá estavam, como se nunca houvessem sumido, a mesa, o computador, o cinzeiro, a piscina. Por 2 segundos, silêncio total. Uma batida de sinos. Sua primeira reação foi se lembrar de respirar, e manifestou isso com uma profunda inspiração, seus pulmões se enchendo totalmente, sua caixa toráxica se dilatando ao máximo para dar o espaço que faltava a seus pulmões. Aguardou mais 3 segundos para expirar, apreciando a sensação de estar vivo. Mas ele não expirou. Jerry desapareceu.

E foi aí que fodeu tudo.

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