Falso positivo

15 dias no inferno da dúvida

Daniel Sollero
Random Sollero

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Recentemente tive meu segundo filho. Filha, no caso. Beatriz. Nasceu bem, sem problemas. Todos apaixonados por ela na maternidade. Como era de se esperar, estávamos numa felicidade só. Ter um bebê em casa é algo que dá trabalho mas também dá um prazer enorme e o amor na casa é quase palpável. Até o irmão, 6 anos mais velho, estava mais curioso do que com ciúmes.

Até recebermos uma ligação do nosso pediatra, que já havia examinado a Beatriz na sua primeira consulta e verificado que tudo estava ótimo, ela tinha engordado e crescido na primeira semana de vida. Tudo certo. Pelo menos até receber essa ligação em que ele, cheio de dedos falou que houve um desvio no teste do pezinho e que deveríamos faze-lo novamente para tirar a dúvida. Perguntei o que era, ele me disse para eu não me preocupar porque esses desvios acontecem e que nada indicava que havia algo errado com a minha filha.

Ao falar isso para a minha esposa, ela foi direto ver qual enzima estava errada. Quando vimos que era um desvio no IRT e que era o que causava a Fibrose Cística, foi que as coisas começaram a complicar. Eu já conhecia um pouco sobre a doença por causa do filme Lemonade em que uma das pessoas retratadas tem uma filha com essa doença que prejudica os sistemas respiratório e digestivo e que compromete muito a sobrevida de quem tem.

Minha esposa ficou mal, eu fiquei mal e guardamos isso para nós. Acho que por trabalhar toda hora com relatórios e dados, a primeira coisa que me veio a mente foi:

“Qual a margem de erro desses testes? Quantos falsos positivos aparecem nesse teste?”

e depois fui ver o que causa essa doença e que sintomas em um recém-nascido acusam que há algo errado. Minha filha não tinha nenhum deles. Para se ter essa doença, ambos os pais devem ter esse gene. Até onde sabemos, nenhum dos dois tinha caso na família. Ótimo.

Somando todas essas informações a calma do nosso super pediatra, não havia nada racional que pudesse justificar que ela realmente correria o risco de ter Fibrose Cística. Nada racional. Apenas emocional. E aí que ferrou tudo. Soubemos a noite e só poderíamos levar para refazer o exame no dia seguinte. Acordamos, levamos nosso filho a escola e depois fomos direto para o Hospital refazer o teste do pezinho que, dessa vez, era um exame de sangue normal com agulha na veia e tal. O resultado sairia em 15 dias. 15 DIAS DE INCERTEZA.

Saber que o inferno da incerteza tem um sub-solo que pode ser a certeza é o que mais amedronta qualquer um.

Falamos com nossos pais o que estava acontecendo, explicamos a parte racional e que eles não deveriam se preocupar. Mas era perceptível que o que nos consumia era o emocional.

Aí resolvi entender melhor o teste do pezinho e achei um post do Drauzio Varella a respeito da historia do teste: “O teste do pezinho chegou ao Brasil na década de 70 para identificar a fenilcetonúria e o hipotireoidismo congênito. Em 1992, o teste se tornou obrigatório em todo o território nacional (…) A triagem deve ser feita entre o terceiro e o sétimo dia de vida do bebê, já que antes disso os resultados podem não ser muito precisos.”

Ao tomar conhecimento disso, uma luz amarela acendeu na minha cabeça. Peraí nós saímos do Hospital 2 dias depois do nascimento da Beatriz e ela fez o teste do pezinho um pouco antes de termos alta.

Enquanto estamos na maternidade e notamos que o bebê está bem, o teste do pezinho é quase uma formalidade pois olhando para o bebê e suas reações nas primeiras 48 horas de vida, tudo leva a crer que não há problema nenhum. Principalmente quando todos os testes foram feitos durante a gravidez que foi muito bem acompanhada em todos os detalhes.

O Hospital/Maternidade que ficamos é um dos melhores de São Paulo. Acho que do Brasil também. Não tivemos problemas na nossa estada por lá. Parto ótimo, atendimento ótimo. Sem problemas. Como todas as maternidades, há um problema de super-lotação e tivemos que aguardar um quarto. Tudo bem, faz parte. Mas algumas políticas por conta desse cenário começam a complicar o resultado final.

Atualmente nesse hospital, as mães tem alta 48 horas após o parto (cesárea ou não). Para não deixar essas pessoas sem apoio, o hospital manda uma enfermeira até a casa das pessoas para examinar a mãe e o bebê.

E é ao dar alta a mãe e bebê 48 horas depois do parto que começam os problemas. Com essa política, segundo o post do Dr Drauzio Varella citado acima, aumentam os índices de erro no teste do pezinho.

Além disso, o bebê, nesses primeiros dias tem muita coisa se consolidando. Icterícia é uma dessas coisas, hoje é comum que as crianças recebam banho de luz UV para isso. E o índice pode mudar rapidamente nesses primeiros dias. Pode estar abaixo no dia 2 e acima no dia 3 e aí precisar desse banho de UV. Isso foi uma das coisas que aconteceram com a Beatriz fora o desvio no exame.

E nessa situação toda, a família fica completamente vendida. Se esse erro/desvio tivesse acontecido no dia 4, a preocupação seria a mesma mas eu saberia que foi apenas um desvio e que isso acontece.

Ao saber que o exame foi feito antes para desocupar o quarto antes e que isso fez com que nós tivéssemos que lidar com o erro do teste feito antes da hora, a única sensação que me dá é de que o hospital teve uma atitude insensível.

Isso porque eu não vou nem abordar o fato de que o plano de saúde provavelmente vai pagar um novo exame por conta desse falso positivo.

No final das contas, a escolha do hospital foi tomada as minhas custas. A minha família que se desesperou e passou 10 dias numa senhora apreensão enquanto, para mim, a impressão é de que o Hospital não viu um bebê e sua família. Viu apenas números: do novo cliente (paciente não é o melhor termo aqui) que ocuparia o quarto, do novo teste que poderia cobrar do plano de saúde e do lucro de quanto essa nova política é rentável para o hospital.

A Beatriz está bem mas é uma pena que eu e minha família tenhamos passado por isso. Claro, é bem melhor que ter uma filha com uma condição de saúde delicada mas, mesmo assim, seria leviano eu me calar e não questionar essa prática.

E sim, quando nos ligaram para perguntar o que achamos do serviço de mandar uma enfermeira e se estávamos satisfeitos com o serviço do hospital como um todo, falamos a verdade mas dúvido que isso seja considerado algum dia. Eles devem estar muito ocupados contando o lucro derivado dessa política.

Então se você tiver como pedir para a sua médica um jeito de continuar no hospital até o terceiro dia, faça isso. Ninguém merece passar esses dias todos no desespero.

Em tempo, Fibrose Cística é uma condição rara e os falsos positivos podem durar até o quarto mês de vida da criança que é quando um exame com suor pode ser feito para confirmar ou não se o bebê tem essa doença.

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Daniel Sollero
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