Faixa a Faixa: “Arbocaura” de Priscilla Fenics.

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4 min readJun 19, 2021

Um álbum que merece ser escutado e contemplado.

Priscilla Fenics tem muitos anos de estrada, e mostra que continua afiadíssima: moderna, solta nas rimas, sem perder o peso na caneta, e com um nível poético muito acima da média.

As produções musicais de BeiLLi muito bem apresentadas, apostando no principalmente no boombap, nas transições e em influências do dancehall ao Trap e ao Soul. O ponto alto são as inserções de poesia e as colagens.

Faixa a faixa de “Arbocaura”:

Carta aberta — O álbum já começa com recortes de falas de mulheres e jornalistas sobre agressões policiais e violência contra negros. Segundo palavras da artista essa música é um “protesto contra a #necropolítica que violenta as populações pretas e indígenas no Brasil. Em memória a todas as pessoas que foram vítimas desse projeto político.” Fenics vem com rimas precisas e redondas, comprovando mais uma vez sua competência. O beat, produção de BeiLLi, tem uma pegada ridding/dancehall. No meio da faixa entram falas de Bolsonaro minimizando o Covid, e trazendo a ambientação da música para os dias e os problemas atuais.

Flores — “Pra não dizer que não falei de flores”: quem conhece a história recente da Ditadura no Brasil, sabe bem a importância dessa frase de Geraldo Vandré, que a artista traz como a temática dessa faixa, e se posiciona abertamente sobre a importância dos Mc’s serem linha de frente no discurso ideológico. Ótima faixa.

A rua vai cobrá — A última frase da música anterior é a primeira dessa faixa, o que deu uma transição bem sacada pro álbum. “Nosso canto, nossa terra/ cada grão virou favela” é poesia brasileira pura, um dos meus versos favoritos, num som cheio de boas punchlines. Fenics vem brincando na melódica e no flow. Uma grande música.

Meia Quatro feat Suh Menezes — “Na favela, luz que brilha: Marighella, Helenira”, só nesse verso já dá pra ver que as minas estão anos luz à frente no discurso. Um sonzão, com refrão na pegada “soul music”. Suh Menezes vem destilando poesia de alto nível. O clipe assinado por Policeno com pegada de lyric video junto com as filmagens ficou numa estética foda.

Avisa Lá (Central do Brasil) feat Nerie Bento — Um som que conquista já nos metais, com aquela pegada caribenha dos instrumentos de sopro. “Estende a mão que é pra nós subir junto” . Uma música pela união dos negros em favor das suas próprias narrativas, citando os lanceiros negros e outras referências.

Brilha e Queima feat Ryane Leão — Outra faixa com clipe, outra abertura de impacto “Lélia Gonzales rainha, herdeira nzinga de tudo que eu sou”. Música linda, que fala de axé, Exú e Deus, de forma linda, leve e poética. Lyric- vídeo muito bom de Policeno.

Nublindawn — O som mais pista do álbum. “Quanto mais eu olho os reis, mais eu só vejo rainhas”. Beat gostozim, com uma pegada mais dançante. Homenageou Sharylaine na faixa e só por isso já valeu o som.

Um só — Música com uma pegada “diss” para macho agressor. “Quem me agride não merece que eu revide?” É o questionamento que a Mc faz pra relacionamentos abusivos, em cima dessa track.

Marginal feat Brisa Flow — Nessa faixa elas vem no Trap, usando a temática da decolonização e da marginalização imposta neste som de desabafo, com várias referências à territórios e ancestralidade. “Nossos ancestrais perderam terra, e faz tempo que a guerra é o povo versus o Estado”, Brisa muito bem, como de costume.

Meu caminho nunca foi reto — Uma música de coração aberto, lembrou os Raps antigos, bateu até uma nostalgia. Quem passa uma vida se dedicando ao Rap sabe a dificuldade das suas escolhas e nessa faixa Priscilla Fenics honra e homenageia sua trajetória. “Como Billie Holiday, eu cantei proceiz/ estilo upground sei, guenta sua vez/ malokera, papo reto, whata fuck man? Quem não corre pelo certo, vish, go away”. Brabíssima. “Os caminhos se cruzam”. É sobre isso.

Sou + Eu — Uma faixa incrível, pra entrar pro hall dos grandes sons da artista. Vanessa Jackson maravilhosa com uma voz de anjo e Fenics quebrando tudo, numa métrica impecável. Um som digno de finalizar um álbum completo como esse, conceitual e excelente nas produções musicais e nas rimas. “Se proteja, você sabe seus limites.”

Ouça agora “Arbocaura” de Priscilla Fenics:

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