Como aprender a surfar me ajudou a reforçar conceitos de liderança

Saimon Nunes
Ship It!
Published in
9 min readAug 23, 2019

Humildade, resiliência, vulnerabilidade e como se tornar uma pessoa e profissional melhor ao se expor ao novo

photo by author

Introdução

Ao contrário do que assistimos ou vivenciamos nas décadas passadas, o líder clássico vem perdendo espaço no mercado de trabalho atual. Com um perfil bastante caricato, o “chefe” era a pessoa que possuía muito mais respostas do que perguntas. Se reservava a ficar em uma sala separada do seu time, normalmente acima (física e comportamentalmente falando) das outras pessoas para poder observar e fiscalizar a todos. Era a pessoa que não sujava as mãos, possuía respostas que pareciam inteligentes em teoria, mas nunca funcionavam na prática. Este líder era aquele que sempre esperava atos de heroísmos individuais para problemas coletivos e complexos.

Ainda encontramos líderes com este perfil, dependendo do mercado, empresa ou até região do país. Porém, tenho percebido um novo perfil de liderança no mercado de software. Hoje e cada vez mais daqui para frente há menos espaço para aquela cadeia de comando/controle e microgerenciamento tão fomentada nas décadas passadas.

Como já sabemos, em muitos casos, pessoas deixam líderes e não empresas. Portanto, se faz cada vez mais necessário refletir e investir nas nossas práticas de lideranças.

O que pretendo explorar neste texto é como você pode reforçar valores e pilares de liderança ao se expor a algo novo e completamente fora da sua zona de conforto, criando e/ou reforçando uma relação de confiança e verdade com o seu time.

O líder que não tem medo se expor

Naquela manhã ensolarada e gelada, me lembro de ter saído do mar com uma das dores de cabeça mais intensas que já senti. Meu corpo estava todo dolorido. Para quem já passou por algumas cirurgias, já quebrou ossos, já torceu articulações a ponto de ouvir os músculos e cartilagem emitindo aquele famoso crac, realmente me surpreendi quando senti dor e indisposição que nunca havia sentido antes, mesmo com tantas experiências do passado.

Aquele mar foi prova de fogo para quem estava começando a aprender a surfar. Para quem olhava de fora, via alguém desajeitado brigando com mar, prancha, leash e água gelada. Foi cada “vaca” que, se filmagens fossem feitas, muitas cenas engraçadas seriam eternizadas.

Para mim, que estava querendo refletir sobre o que havia tentado fazer há poucos instantes, a sensação era, além de cansaço e exaustão extremos, medo, frustração e vergonha. Não era pra menos, a primeira aula foi frustrante: tombos, quedas, ondas na cabeça e dificuldades aos montes.

No momento seguinte, tive certeza que queria continuar com as aulas, que a dificuldade era momentânea, e que eu evoluiria com o tempo. Porém, passaria (e ainda passo) muita dificuldade até chegar em um nível minimamente agradável aos olhos de quem, como se quisesse ser torturado, fosse me assistir surfar.

É saudável que o líder se exponha ao novo, para sentir na pele os elementos que estão fora do seu controle. É confortável dominar a sua área, o seu ambiente, todos os problemas que a sua equipe está envolvida, sentar frente a uma mesa e dar feedback, instruir um colega ou articular uma solução com um cliente. Porém, quantos têm coragem de se expor ao ridículo de aprender algo novo após décadas de experiência profissional? Quantos têm coragem de se expor perante a sua equipe? De surfar em uma área nova, estar disposto a ouvir críticas e feedbacks nada agradáveis?

É comum líder e liderado traçarem planos de evolução da carreira: eles podem ser técnicos, como aprender uma nova tecnologia, ou comportamentais, como trabalhar a escuta, fala ou inteligência emocional. Portanto, o que ficou claro para mim é que, quando você se expõe ao novo e, consequentemente, aos erros e aprendizados deste ato, você está evidenciando a sua humanidade e dizendo para a sua equipe que também quer arcar com as consequências de um novo aprendizado. Você acaba criando ou reforçando a empatia e sentindo as mesmas dores que seus liderados sentem, ao traçar esses planos de ação em uma 1–1, por exemplo.

Acredito que isto ajuda a desmistificar a presença do líder herói, aquele que não dialoga e simplesmente distribui ordens, aquele que não erra. Ao se expor ao novo, você expõe a sua humanidade e vulnerabilidades.

Há um recado intrínseco para o seu time, porém, muito importante: de que ele pode errar, reconhecer, aprender e tentar novamente. As pessoas começarão a te enxergar como alguém que está pronto a lutar as suas batalhas.

Dar menos importância para o seu ego, errar, aprender e acertar, repetindo este ciclo ao lado do seu time e não acima dele.

Ao se aproximar dos seus liderados, de forma mais profunda, você está criando um ambiente onde enxergará a realidade pela mesma perspectiva do que eles.

A instabilidade de um mar de trabalho

Uma característica que todo líder deve ter é entender que o desempenho individual ou coletivo irão variar com o passar do tempo.

Parece meio óbvio, mas é importante entendermos que altos e baixos (independente dos motivos), acontecem e continuarão acontecendo com todas as pessoas do seu time e naturalmente com você também.

O surfe me ajudou a entender e reforçar mais ainda este princípio. Mesmo que, em teoria, eu tivesse as condições perfeitas de vento, ondulação, swell, etc., existiam vezes que eu não estava no meu melhor momento e, meu desempenho era abaixo do que eu projetava antes de entrar na água.

Estes momentos de reflexão me ajudaram a reforçar a minha resiliência e compaixão comigo mesmo, entendendo a naturalidade desta situação e me preparando melhor para os próximos dias.

Se este tipo de situação aconteceu comigo surfando, por que não poderia acontecer no trabalho?

Note que não reforço aqui que sejamos coniventes com falhas ou tolerantes da mediocridade. Apenas enfatizo que as pessoas da sua equipe não são robôs. A produtividade e disposição delas, assim como a sua, irão variar dependendo do momento de cada um. Reflita, entenda e lide com isso.

Se faz cada vez mais necessário dialogar e respeitar o momento de cada um.

Seja ágil

Na animação Surf'’ UP (2007), uma frase ficou gravada na minha mente desde a primeira vez que a ouvi. Ela é mais ou menos assim:

Você não luta contra o mar. Você não luta contra as grandes ondas.

No surfe, eu aprendi na pele essa lição. Na prática, você não molda o mar conforme a sua vontade. Você se adapta a ele. Define o melhor lugar para entrar, para remar, onde vai se posicionar e que tipo de equipamento usará.

No desenvolvimento de software, historicamente tentávamos fazer grandes planejamentos, tentando controlar todo o ambiente a nossa volta, pensando que quanto menos imutável o ambiente for, mais controle, assertividade e sucesso teríamos nos nossos projetos. Ledo engano.

Sabemos que uma das principais e mais importantes características de times de desenvolvimento atualmente é a de se adaptar rapidamente a mudança.

Ou seja, melhor do que tentar controlar o ambiente, precisamos criar times que se adaptem ao mesmo. Ser ágil é se adptar a mudança.

Como nosso grande amigo Bruce Lee dizia: Be water, my friend.

Resiliência

Grandes líderes se preparam para lidar com todos os tipos de situação. Nas mais complicadas, onde as coisas estão dando realmente errado, é extremamente importante que a resiliência seja maximizada. Um time é reflexo da sua liderança e, quando estamos falando de competências comportamentais, um time com um líder estressado, que fala alto, esbraveja, bate em mesa e/ou potencializa situações de estresse, vai normalmente reagir da mesma forma.

O problema deste tipo de comportamento, é a influência que o líder exerce no time. Ter a cabeça no lugar para pensar com clareza em situações de pressão e estresse vai passar tranquilidade e calma para o time responder da melhor maneira possível em momentos críticos.

Passei por isto também no surfe. Muitas vezes, me pegava frustrado e estressado por não ter evoluído tanto quanto gostaria. Ao invés de ter clareza do que estava fazendo errado e como poderia melhorar, ficava com a mente turva, muito mais focado na frustração da não evolução do que em como evoluir de fato. Em alguns casos, meu líder naquela situação, fosse um professor ou amigo, poderia reforçar este tipo de sentimento ou, em outros, eu era trazido novamente para o presente, e incentivado a melhorar especificamente nos pontos que necessitavam.

O que aprendi e reforcei com isto foi que, para melhorar meu surfe, eu precisava ser a pessoa que eu era no ambiente de trabalho: resiliente aos problemas e obstinado pela melhoria. Eu precisava me colocar em um ambiente psicologicamente seguro.

Sendo assim, um líder que preza por um ambiente psicologicamente seguro terá um time que terá a oportunidade de pensar com mais clareza, enxergar todas as variáveis envolvidas em situações de caos, sem medo ou receio de arriscar e errar e, principalmente, se sente mentalmente preparado para passar por este tipo de situação e que saberá lidar com ela no médio e longo prazo.

É papel da liderança construir esses ambientes e dar tranquilidade para a sua equipe trabalhar.

O Poder da reflexão

Líderes devem sempre incentivar a sua equipe a melhorar. Eles não se contentam com o bom e estão sempre impulsionando o seu time para o melhoria contínua.

Ao aprender a surfar, um dos instrutores que tive nunca estava contente com o meu nível de surfe. Todo fim de aula, quando eu inocentemente esperava um elogio, vinha uma explicação com exemplos claros e diretos do eu eu fiz de errado e quais os passos para melhorar da próxima vez.

Mas isso não significa que ele não comemorava junto comigo os pequenos avanços do dia a dia. E aqui entra outra importante lição sobre liderança: comemorar as pequenas vitórias da rotina.

Líderes devem inspirar a sua equipe a sentir orgulho do que faz. Comemorando pequenas ou grandes vitórias.

Porém, a armadilha deste ponto é saber o nível entre comemorar mas não se contentar com o estado atual. Tentando levar o time ou o indivíduo à reflexão do que pode ser feito melhor da próxima vez. Há uma importante diferença entre refletir sozinho e chegar à conclusão de oportunidades de melhoria ou, incentivar o time a refletir coletivamente. O que a prática me mostrou é que as reflexões coletivas tendem a ser mais ricas, sólidas e duradouras do que as individuais.

Costumo dizer que o poder de refletir sobre as suas rotinas, entregas, qualidade, está diretamente ligado ao quanto um time evolui. As pessoas possuem vontade de entregar mais e melhor, porém, esse movimento, se for assíncrono ou individualizado, dificilmente gera efeito no time todo. Um líder deve orquestrar as reflexões, questionar a sua equipe e não se contentar com o bom.

Um líder deve realmente guiar a sua equipe para a evolução.

Coragem para errar perante a equipe

Aquele que lidera com a consciência de que comete erros e, quando eles surgem, está pronto para arcar com as consequências é um líder que se mostra humano e vulnerável.

But admitting mistakes is a key defining attribute of a leader. Owning the mistake accomplishes one critical thing. It builds trust, because it reinforces a fundamental characteristic of our humanity. We are all fallible. Tomasz Tunguz.

Se colocando nessa posição, o líder estará exaltando a sua humanidade e incentivando que o time também o faça. Ele está construindo uma relação de confiança sólida e profunda.

Seu time percebe quando você erra ou se contradiz. Você se engana se acha que não. A diferença está no ambiente que você quer construir: um ambiente em que admitimos que líderes erram e o importante é saber reagir aos erros para não repetí-los, incentivando assim seu time a fazer o mesmo. Ou, um ambiente em que nos enganamos sobre os erros da liderança e só enxergamos os erros dos liderados.

Ao admitir seus próprios erros, você está expondo a sua humanidade, construindo confiança com honestidade.

Sem verdade não há relação de confiança. Sem confiança não há liderança. O líder que busca esses valores, faz com que o time também os valorize, gerando um efeito cascata que se espalhará pela equipe.

Adam Grant nos diz:

A core task of leadership is keeping your ego in check.

Promote the people who challenge you, not the ones who flatter you.

Accept the privileges that help you do your job more effectively, not the ones that make you feel superior.

Conclusão

Ao se expor ao novo, no meu caso aprender a surfar, tive em primeiro lugar, que me expor ao ridículo de praticar um esporte que nunca tive contato antes, com todas as quedas e dores que isso provoca. Foi preciso passar pelo processo de amadurecimento e, principalmente, reflexão que este tipo de situação nos leva.

Ao longo da jornada, que não acabou ainda, me peguei em muitos momentos reforçando práticas ou conceitos de lideranças atuais.

O papel da atual e nova geração de líderes é quebrar o silo da liderança x liderado. Trabalhar em equipe não é uma disputa individual, mas sim uma jornada que privilegia o crescimento de todos.

Para construir relações baseadas em confiança e verdade, mesmo quando ela o expõe, é preciso autoconhecimento, humildade e, principalmente coragem.

--

--