Bacurau e um resgate ao que o cinema brasileiro significa | Uma análise sobre Cannes 2019

Junno Sena
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3 min readMay 26, 2019

“O com menos pontos negativos. O que logo será esquecido para não causar muita polêmica. Mas então, o que podemos esperar dessa ‘nova’ Academia? O mesmo.”

Em 1999, Central do Brasil era esnobado no Oscar. Vinte anos depois, a Academia diz que está saindo da sua zona de conforto, mas todos percebem em sua premiação que “sair da zona de conforto” pode significar também “copia, mas não faz igual” dos anos anteriores. Bom, Cannes fez o mesmo, mas para a alegria dos brasileiros, foi para resgatar a notoriedade que o Brasil vinha construindo nos anos 60.

Quando O Pagador de Promessas ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em 1962, a revista Cahiers du Cinéma observou, que ali se podia vislumbrar o nascimento de uma nova dramaturgia. Cinquenta e sete anos depois — com filmes como Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, e Deus e o Diabo na Terra do Sol; como também o própria Central do Brasil e até mesmo Aquarius nessa trajetória -, Bacurau retoma esse prestígio, talvez criando não um nascimento, mas um lampejo de renascimento e reinvenção para o cinema brasileiro. Resumindo, não dá mais para ignorar o que vem de terras tupiniquins.

“É um filme sobre o Nordeste, um filme sobre o Brasil, é um filme sobre educação, sobre história e estou muito feliz que esse filme nasceu aqui, no Festival de Cannes e agora está começando a correr o mundo”.

Kleber Mendonça Filho.

Talvez pelo viés assumidamente político, que se mostrava desde os anos 60 com nosso cinema. Talvez pela coragem de transformar o ordinário — uma professora aposentada; um prédio indo para o esquecimento; um simples povoado do sertão — em algo extraordinário, pronto para manter o espectador na cadeira, ansioso pelo desfecho. Talvez pela resistência instaurada diante de um “marxismo cultural” se estendendo por todo o país. Existem “n” motivos para não se ignorar mais o cinema brasileiro e claramente, o resto do mundo os está percebendo.

Texto relacionado: O que esperar da “nova” Academia? | Uma análise sobre o Oscar 2019

Mas é só por isso que estamos falando de Cannes?

Ganhar prêmios internacionais vai além de nomes complicados no currículo e em posteres de filmes. Significa internacionalização, comercialização, isto é, mais pessoas conhecendo a nossa história. Significa, cinemas americanos apresentando filmes brasileiros com legenda em inglês. É curioso pensar nessa cena, pois consumimos e pensamos de forma americana, não pensamos em como nossa produção cultural também pode ser consumida por outras sociedades.

E essa constatação não serve apenas de dentro para fora, mas também o contrário. Cannes também levou os olhares do público até o novo filme do diretor sul-coreano, Bong Joon-ho, Parasite, se tornando o primeiro filme coreano a vencer a Palma de Ouro na história. O diretor também é conhecido por Okja, longa distribuído pela Netflix, e o Expresso do Amanhã.

Além dele, também temos Mati Diop, a primeira cineasta negra na história a concorrer na Competição Oficial do Festival de Cannes com seu filme Atlantique. A mesma venceu o Grand Pix, segundo prêmio mais importante do evento.

Diferente do Oscar, que pareceu não construir muito além de críticas dos próprios participantes, Cannes apresenta uma lista de filmes e personalidades curiosos, não apenas tomando a atenção de um público “cult” e “crítico”, mas de uma forma geral, de todo mundo. É uma representatividade latente, indo de Antonio Banderas a Kleber Mendonça e Bong Joon-ho. É espaço para múltiplas vozes sendo construído. E em um momento como esse, não há nada mais importante.

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Junno Sena
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Apenas um escritor, jornalista e designer tentando encontrar um rumo.