Crítica | Ainda precisamos de histórias como a de “Rafiki”

Junno Sena
re_corte
Published in
3 min readAug 8, 2019

Eu não tenho outro deus, além de você,

Você fez o que nenhum outro homem fez,

Você irá fazer o que nenhum homem pode.

Mulher. Amiga. Companheira. Rafiki. Kena e Ziki estão de lados opostos em uma disputa política, mas também centralizam uma simples e típica história de amor. Uma que pessoas brancas já protagonizaram diversas vezes. Uma que, infelizmente, ainda precisa ser contata para a população negra. Uma, que apesar de triste, carrega a esperança de que um dia, a existência LGBT+ no Quênia não seja mais um problema.

E é disso que se trata o poema pintado nas costas de um caminhão no Quênia: Fazer o que nenhum outro homem pode, amar como duas mulheres negras e lésbicas se amam. Baseado no conto Jambula Tree, de Monica Arac de Nyeko, Rafiki não traz nada de original para o cinema LGBT+, mas exatamente por isso ele se torna tão importante.

Com a cultura queniana pulsando na tela, através de cor, música e sorrisos pretos, Rafiki constrói aos poucos um amor juvenil entre as duas garotas. Para o espectador, que não pertence a sociedade queniana, fica óbvio desde o primeiro contato o que está sendo criado e por isso, o choque no olhar de uns e a surpresa no de outros parece exagero.

Até mesmo o olhar íntimo da câmera da diretora Wanuri Kahiu parece ingênuo demais para o cinema europeu e americano LGBT+, que cada vez mais tenta se reinventar através de cenas de sexo. Ironicamente, tudo isso — ingenuidade e simplicidade — torna a atmosfera ainda mais importante. Não só para mostrar que se trata de uma descoberta sexual, mas também por se passar em um lugar que ainda está lutando para descriminalizar relações homossexuais. Fato este que fez o longa ser proibido no país.

Sendo a primeira produção queniana a ser exibida em Cannes — e indicado ao prêmio Un Certain Regard, Rafiki possui pontos altos na sua narrativa e todos eles estampados por Samantha Mugatsia e Sheila Munyiva. A dinâmica das duas mantém o filme vivo do início ao fim. Desde as discussões até os diálogos bobos sobre um futuro que ambas nem sabem se será possível viver.

Mais do que um romance, é uma história de companheirismo e incentivo a buscar seus sonhos em uma sociedade conservadora. Como já foi dito anteriormente, o olhar de Wanuri Kahiu é a cereja do bolo para o que está sendo criado entre as duas. Abusando das conversas entre Kena e Ziki, aos poucos entendemos o que cada uma das garotas viu de interessante na outra.

Uma das grandes críticas ao cinema LGBT+ é o excesso de tragédias, lágrimas, etc. A existência LGBT+ não é composta apenas disso, mas (1) corpos negros mal começaram a ver suas histórias contadas, seja em atos de esperança ou tragédia, e (2) Rafiki fecha sua história com esperança e é isso que fica com o espectador ao ver o sorriso de Kena.

--

--

Junno Sena
re_corte

Apenas um escritor, jornalista e designer tentando encontrar um rumo.