Green Book ou “O Guia de Sobrevivência em um Mundo Racista” (Edição para Brancos)

Junno Sena
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3 min readJan 17, 2019

#especialpREmiações

Não é apenas o manto de coragem colocado sobre a pele negra, nem os anos de escravidão e preconceito, é a incessante necessidade de se provar. De fazer o dobro para conquistar o mínimo. De ser o melhor para então, ser esquecido. E essa constatação não apenas recai sobre o filme Green Book, mas na própria história de Dr. Shirley, que assim como diversos artistas negros, apenas conseguiu ganhar a notoriedade de ser lembrado agora. Anos depois de sua produção artística.

Mas isso não significa que ele passou seus anos em branco. Em Green Book, encontramos Mahershala Ali no papel de Don Shirley, cruzando um estado racista com o intuito de provar para homens e mulheres brancas da alta sociedade que negros podem ser muito mais do que empregados. E ao seu lado, ou melhor, no banco do motorista, temos Viggo Mortensen como Tony “Lip” Vallelonga, que não apenas ajuda o pianista negro em sua viagem, mas é o “primeiro” a ter suas convicções mudadas, isto é, é o “primeiro” a aceitar que Don é um gênio e que sim, deve ser respeitado por isso.

Mas no meio de falas acaloradas que te fazem cair em um abismo de pensamentos sobre o que o racismo, homofobia e machismo ainda fazem com a sociedade, há problemáticas em Green Book que não podem ser esquecidas. Começando que, acima de tudo, o longa é uma releitura do que o “Livro Verde” significava para os EUA nos anos 60.

Um verdadeiro manual de onde uma pessoa negra poderia ou não se hospedar e comer. O livro ressurge, agora em 2019, como uma história feita para e por brancos, principalmente. Mesmo que a presença de Mahershala Ali transpire representatividade, que a história de Don contada nas telas significa que sua coragem ainda vibra nas nossas veias, ainda temos Viggo como protagonista.

Toda a trama construída ao redor dos dois foi mastigada de forma que pudéssemos ver uma real mudança nas ideias de Tip — que diga-se de passagem, apenas ocorrem por que ele começa a ver Don como uma espécie de figura mítica, um deus, um homem de extrema importância, que ele teve a sorte de estar trabalhando com. De forma que o próprio Don não fosse apenas inspiração, mas também, exceção.

Isto é, não significa que depois de toda essa road trip, o nosso motorista estaria de fato mudado. Apenas que ele passou a aceitar um homem negro em sua vida. E isso se reflete muito na atitude de Don e o arquétipo de “Magical Negro”, apontado por Spike Lee em 2001.

Este sendo um personagem negro escrito por um homem branco. Ele geralmente é paciente, sábio e detêm um certo “poder mágico” que o faz passar ileso ao redor de qualquer — ou pelo menos quase todas — situação de preconceito racial. O seu propósito na trama? Ajudar ao protagonista branco a atravessar uma barreira ou problema que já foi definido no início da trama.

Mas é claro que tais termos e colocações podem passar despercebidos e em um caso como em Green Book, que tenta representar uma visão de um pianista que foi esquecido pela nossa sociedade; que tem a oportunidade de dar prêmios e expor o potencial de Mahershala Ali, eles devem ser conhecidos, mas sem tirar as coisas boas que ele tem trago.

“Green Book” é um filme complicado. Não apenas pelo seu personagem, que representa tanto e ao mesmo tempo, pouquíssimo, mas por colocar o espectador em um nível de engajamento, que no final, você deseja ver aquele homem negro dividindo uma ceia de natal com uma família italiana — adendo ao fato que mesmo sendo italianos, eles se vêm em um nível de normalidade branca. De forma que você sente que há algo de errado, mas prefere ignorar por que no fim do dia, o mundo precisa de histórias como essa.

Gostou? Então fica ligado que tem mais! Nesse ano não queremos ficar apenas no tapete vermelho, então vem analisar alguns filmes da temporada de premiações.

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Junno Sena
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Apenas um escritor, jornalista e designer tentando encontrar um rumo.