Review | É tudo culpa da Camille

Junno Sena
re_corte
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3 min readAug 27, 2018

. Doente. Errada. Cereja. “Você está me lendo”, diz Camille sobre as palavras marcadas em sua pele. Mas a verdade é que para ler os cortes no corpo pálido de Amy Adams é preciso entender uma outra língua. A da culpa. Culpa por ter sobrevivido a sua mãe. Culpa por ainda se abalar com flashbacks do passado. Culpa por ainda se sentir uma cereja podre.

E é isso que torna Camille, de Sharp Objects (Objetos Cortantes) uma personagem tão palpável. Sua podridão, suas marcas, seu medos, erros e indecisão. Em alguns momentos, detestável. Em outros, uma pessoa digna da empatia do leitor e/ou espectador. Na maioria dos casos, características assim é o que afasta o público, mas na mão de Gillian Flynn junto do diretor Jean-Marc Vallée, isso é charme.

Entre um copo e muitos; cortes e pensamentos obscuros, descobrimos o que há de mais perturbador em cada um de nós. Camille representa o que acontece quando sucumbimos completamente àqueles pensamentos que não contamos nem para o travesseiro, como diria Pitty. E tudo isso devido a um fato que desencadeou uma carreira de sentimentos como dominós.

Indo além, Camille e todas as outras mulheres de Gillian são uma “permissão” silenciosa para que qualquer mulher possa ser má. Ou melhor, que possa ser complexa, que por trás de um rosto bonito e um cabelo vermelho de cereja, possa existir um ser cheio de pensamentos, teorias, receios e objetivos independentes de um homem.

Então novamente, Camille é culpada. Pelos seus desejos sexuais, por ser “suja”, impulsiva e nessa tempestade de sentimentos, por dar permissão a si mesma de fazer o que quer e arcar com qualquer consequência disso. E essa rebelião que traz um bico, um empurrão e um resmungo começa com a relação de amor (por essa relação sanguínea) e ódio (por essa mesma relação) com sua mãe.

Que representa o outro lado da moeda em que está Camille. Adora é, como diz o seu nome, “adorável”. Pelo menos de longe. É simpática, recatada, com um sorriso no rosto e com seus demônios escondidos a chave dentro de si. Ela é tudo que é Camille, mas escondido tão bem que ela mesma se engana com seu disfarce e então, prefere culpar a filha pelos próprios erros.

A cheerleader com sangue entre as coxas, selvagem e livre, é a representação em carne desse “monstro” que Adora tanto abomina e mantém em cativeiro dentro de si. Aqui, não apenas de forma figurativa, mas literal, Camille é a Adora com permissão de ser má e complexa.

E esses arquétipos já tão explorados pela mídia, surgem com uma nova roupagem nas mãos de Gillian; são representados de forma profunda pelo olhar de Jean-Marc em sua minissérie de oito episódios e interpretados de forma hipnótica por Amy Adams, Patricia Clarkson e Eliza Scanle - a Amma, que transita entre esses dois lados, tentando se entender. Mas, deixando tudo isso de lado, o mais interessante é como Gillian sempre parte de um assassinato, um trauma, mas seus personagens é o que dão razão para todo o resto da história existir.

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Junno Sena
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Apenas um escritor, jornalista e designer tentando encontrar um rumo.