reVIEW | Quentin Coldwater, The Magicians e a depressão do dia a dia

Junno Sena
re_corte
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3 min readApr 26, 2019

“Quando eu estava com depressão, eu me deitava na cama todo o dia e não conseguia levantar. E eu via todas essas pessoas fazendo coisas normais, indo para seus trabalhos, construindo relações e eu pensar, ‘Eu nunca poderei fazer isso’. E isso era como magia. Quando eu comecei a ficar melhor, passei a levantar e fazer coisas normais, eu me senti como um mágico.”

Lev Grossman, escritor do livro The Magicians

Religião. Amores. Medicamentos. Sexo. Prazer. Nossa sociedade se atrela a cada afazer e dever para se manter ocupado demais para pensar no que o afeta. Solidão. Raiva. Medo. Abandono. Ansiedade. Depressão. E sob os olhos do inconstante Quentin Coldwater de The Magicians, conhecemos a magia. Nada atrelada a religião, como mostra Sabrina Spellman e muito menos uma solução para todos os nossos problema, como mostra Harry Potter, mas com o poder de nos dar mais um caminho para nos curarmos de nossas dores emocionais.

A tensão entre a fantasia e o medo, ambos os lados da mesma moeda que é a magia, é o que dá forma ao enredo visceral de The Magicians. É ela que dá motivo para fazer com que Quentin decida parar de tomar seus medicamentos, pois essa energia invisível que ele pode moldar a seu bel prazer é também o que lhe dá motivo para levantar da cama mais um dia. Mas ela também, assim como remédios que nos dopam sem nos consultar o que queremos ou não deixar de lado, nos deixa viciados; quebrados quando não podemos mais dobrar a realidade.

É simples, redundante e até mesmo ingênuo dizer que toda a série The Magicians é uma grande metáfora sobre como a depressão nos destrói aos poucos. Como coisas boas deixam de ser boas e as ruins não passam de mais um detalhe para se colocar na pilha de fracasso. Também é sobre como ela nos molda e nos torna o que somos hoje. É sobre como tratamentos invasivos nos apagam. É sobre como não falar o que nos incomoda, como nos esconder e fingir que não dói é o mais prejudicial. É sobre aquela incerteza constante se são dois passos para frente ou um para trás.

Julia, por exemplo, teve seu direito nato tirado de seus braços constantemente. Quando o tempo foi resetado, quando sacrificou sua divindade para manter seus amigos seguros e quando tiraram a sua escolha para salvá-la da morte. Julia constantemente entrou em um ciclo depreciativo de “eu gostaria de fazer mais” e “eu preciso fazer mais”. E quando conseguia? Voltava mais forte, mas com o sentimento de que tudo poderia acabar com um piscar de olhos.

O final da quarta temporada de The Magicians culmina em todas essas incertezas. Mesmo com detalhes que incomodem, romances que são deixados para trás, atitudes desesperadoras que — por um momento — até descaracterizam o cerne de alguns personagens, analisando melhor, não havia como seguir outro caminho. Na dura realidade dessa série, o fim é apenas mais um fato.

Mas não significa que The Magicians é sobre romantizar a depressão, a tristeza e muito menos o medo. Não é. É sobre ter consciência de seu próprio corpo e mente, saber o que o afeta ou não; o que a falta faz ou não. Assim como Alice, que perdeu o irmão, se afastou dos pais, perdeu até mesmo quem era e seu amor, Quentin. Quando não tinha mais nada, entrava, também, nesse poço fundo de tristeza.

Todos personagens da série possuem perdas e desesperos que compartilham entre si para poderem suportar a dura realidade. A realidade que, para alguns, é tão fácil. Que é, como nas palavras do escritor Lev Grossman, “levantar da cama e fazer as coisas normais do dia”. Essa é a magia de alguns.

E indo para seu quinto ano em 2020, é estranho pensar como a série manteve não apenas a sua qualidade, mas também seu enredo preocupado em representar distúrbios mentais, seja se apoiando ou não nos livros de Lev.

Mesmo com viagens interdimensionais, viagens no tempo, monstros, animais falantes e política mágica, The Magicians manteve seus personagens atrelados aos seus arcos de tal forma que claramente se consegue ver evolução, mas também a ideia inicial: a possibilidade da cura e o medo do vício na magia. Algo tão mundano como a própria depressão.

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Junno Sena
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Apenas um escritor, jornalista e designer tentando encontrar um rumo.