On the Run

Gabriel Franklin
(Re)Leituras
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3 min readApr 12, 2021

Live for today, gone tomorrow, that’s me

“On the Run”, Pink Floyd

“Running Man”, Robert Pockmire (2017)

Faz 35.587 dias, 16 horas, 29 minutos e 40 segundos que ele começou a correr.

Os primeiros passos foram dados em uma fria madrugada de outono, do lado de fora do galpão onde morou durante toda sua vida. Foram passos decididos, precisos, que o levaram a cruzar ruas, calçadas, esquinas, becos, travessas, avenidas.

Passou em frente a casas, prédios, escolas, supermercados, praças, parques, terrenos baldios, salões de beleza, academias, pet shops, igrejas, hospitais, bares, danceterias, delegacias, farmácias, shoppings, campos de futebol.

Muitas pessoas o viram, apesar da hora avançada, mas ele não viu ninguém.

Ele apenas corria.

Quando chegou à rodovia e saiu de sua cidade natal, deu de cara com um campo cercado com arame farpado. Com extrema facilidade, pulou a cerca e seguiu caminho.

Passou o campo. E, depois, atravessou florestas, córregos, depressões, morros, vales, pontes, montanhas, desfiladeiros, desertos e mais rodovias.

Ao se deparar com obstáculos que não podia transpor, ele simplesmente tomava a direita e continuava a correr, mesmo que isso o levasse a voltar pelo mesmo caminho que viera.

O importante era não parar. Nunca parar.

Tomou chuva, quase foi atingido por um raio, ficou coberto de poeira e de areia, tomou chuva novamente, se arrastou na neve e chapinhou na lama que veio depois dela.

Com o tempo e as intempéries, seus sapatos se desgastaram e ele acabou correndo de pés descalços. Suas roupas, apesar de durarem um pouco mais, eventualmente tiveram o mesmo destino dos sapatos.

Correr completamente nu não foi um grande problema para ele, na maior parte do tempo. Quando passava por algum lugar habitado, as pessoas geralmente riam dele, caçoando de sua cor ou de suas nádegas perfeitas. Se alguém tinha uma reação mais enérgica e resolvia correr atrás, bastava apertar um pouco o passo e facilmente os perseguidores desistiam.

Muitos tentaram lhe entender e arrancar alguma declaração sua. Para isso, seguiam em veículos ao seu lado, com microfones apontados para sua boca, esperando alguma palavra ou sinal.

Ele sempre ficou impassível.

Nunca interagia com as pessoas com quem cruzava. Nem com as mais amistosas, que se aproximavam oferecendo-lhe roupas, agasalhos ou comida.

Outros tentaram lhe seguir, não para fazer mal, como os mais enérgicos, mas simplesmente por verem na calma expressão de seu rosto uma mensagem que ele nem sequer cogitara passar. Esses geralmente cansavam depois de alguns dias, já que ele não parava pra descansar, comer e nem mesmo para ir ao banheiro.

Por mais que demorasse a encontrar pessoas, nunca foi uma corrida solitária, pois ele também passou por animais. Cachorros, gatos, ratos, pássaros, vacas, ovelhas, patos, cobras, insetos, girafas, leões, crocodilos, hipopótamos, tigres, lagartos, macacos.

Foram companhias melhores do que a dos seres humanos. Pelo menos eles não tentavam entrevistá-lo.

Em um dado momento, os lugares começaram a se repetir. Uma, duas, dez, vinte, cinquenta vezes. Como nem sempre tomava a mesma rota, demorava um longo tempo para voltar ao mesmo lugar. Mas sempre voltava.

As pessoas o reconheciam. Alguns o reverenciavam. Outras se benziam. As gerações foram se sucedendo e se acostumando com ele.

Nunca decorou nomes dos lugares por onde passou, nem das cidades que cruzou, muito menos das pessoas que encontrou.

Na verdade, ele só guardava um nome em sua mente.

O seu próprio, que foi proferido por seu pai em uma ordem expressa, na última vez que o viu: “R.14N, corra e não olhe para trás!”

Faz 35.587 dias, 16 horas, 32 minutos e 22 segundos que ele começou a correr.

Ele ainda não olhou para trás.

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Gabriel Franklin
(Re)Leituras

Fingindo que estou, sonhando que vou, inventando que volto.