Ensino

A educação desigual

A pandemia ressaltou a desigualdade de classes nas escolas públicas de Porto Alegre

Cristina Rosa
Realidades Invisíveis

--

Escola Municipal de Ensino Fundamental José Loureiro Da Silva. Foto: Leandro Anton

Diante da necessidade de enfrentamento imediato dos problemas na educação remota durante a pandemia, as instituições públicas de ensino precisaram se reinventar para que todos os alunos conseguissem usufruir dos benefícios de uma educação online de qualidade. A pandemia da covid-19 forçou alunos e professores a mudar suas rotinas drástica e rapidamente à medida que mudavam para o aprendizado online. Os alunos não puderam mais sentar em círculo e ler um livro, ir para frente da classe para recitar um poema ou interagir com um parceiro para compartilhar uma aula de educação física.

As instituições educacionais que oferecem a educação básica no Brasil que utilizavam apenas métodos tradicionais de ensino precisaram se remodelar, deixando de lado a educação presencial em sala de aula para adotar o ensino online. Porém, o que talvez não tenha sido considerado na tomada dessa decisão foi o fato de que o acesso à internet e aos equipamentos tecnológicos não é democratizado no país. Ao tentar salvar o ano letivo dos alunos, o Estado agravou e reforçou a desigualdade social de ensino.

E Porto Alegre, o coronavírus fez com que alguns problemas que já existiam no sistema educacional se agravassem. Há mais de um ano, as aulas têm sido realizadas virtualmente, com alguns poucos períodos presenciais. Se para qualquer professor ou estudante a situação já é difícil, nas escolas de comunidades periféricas o problema é ainda maior. A falta de interesse dos alunos e de possibilidade de acompanhamento familiar, além da evasão escolar, são apenas algumas das muitas dificuldades que surgiram junto com a pandemia

Os professores ainda não foram incluídos como grupo prioritário da vacinação contra o coronavírus, por isso o risco de contaminação nas escolas ainda é alto. Mas, independente das discussões e determinações dos governos estadual e municipal em relação ao ensino presencial, a presença das crianças em casa o dia todo é um grande desafio para as famílias sem condições financeiras.

Uma das comunidades que sofrem com essa nova realidade é a do Morro Santa Tereza. O morro, famoso por abrigar torres de várias emissoras de TV, possui três escolas, uma delas municipal e as outras duas estaduais, com um total de cerca de 1350 alunos O professor de Ensino Religioso Fábio Dullius, trabalha no Colégio Estadual Paraná Fundamental e Médio. Ele atende turmas do ensino fundamental e médio, com alunos de nove a 20 anos. Fábio considera o ensino virtual, da forma como tem funcionado, maçante para os alunos, que, na opinião dele, acabam não respeitando os professores.

Já a professora de História Valeska Garbinatto salienta que a presença dos alunos nas aulas remotas não chega a 50%. Ela, que dá aulas para crianças do ensino fundamental e médio no Colégio Estadual Elpidio Ferreira Paes, percebe que muitos não conseguem acompanhar as aulas à distância. A professora constatou que os motivos da evasão estão relacionados a questões estruturais mais profundas. Muitos não têm equipamentos em casa e, em alguns casos, mais de uma pessoa da família precisa acessar o computador ou celular. Ela também constatou que a conexão, com a internet às vezes é bem limitada e, em alguns casos, não há espaço para estudar. Segundo ela, todas essas questões desmotivam os alunos a participar das aulas e estudar.

Mães desabafam os impactos da covid-19 na vida de seus filhos

A educação dos filhos é normalmente uma prioridade nas famílias. Enquanto esperava na fila para pegar a cesta básica que a Escola Municipal de Ensino Fundamental José Loureiro estava doando, Juliana Siqueira, mãe de uma aluna, disse que escolheu a instituição para a filha estudar porque era perto de casa. Dessa forma, não teria gasto com passagem. Além disso, sua filha conseguiria fazer às três refeições do dia na escola, pois ela é de turno integral.

No turno inverso aos das aulas regulares, a filha de Lourdes fazia aula de dança. Ela considera a escola diferenciada, com professores dedicados e com atividades lúdicas que são importantes para o desenvolvimento de sua filha. “Mas, com a chegada da pandemia, não há estrutura para minha filha estudar em casa, e nem a continuidade de alimentação como ela tinha na escola”, explica Lourdes.

Logo atrás de Lourdes na fila de doação de cestas básicas, Antônia de Fátima Justino, também mãe de um aluno, desabafava: ”Eu queria que a escola abrisse e tudo voltasse como era antes. Eu entendo o lado dos professores, mas sou apenas eu e meu filho. Esse é um dos principais problemas para as mães solo de periferia: onde deixar as crianças enquanto trabalham fora. Antônia trabalha como doméstica. “A escola é um ambiente seguro para ele enquanto trabalho.” Ela destaca o espaço onde ele pode jogar bola e o contato com professores, que podem cuidá-lo e aconselhá-lo no que for preciso. “O vírus taí, mas as condições que eu me encontro não permitem que eu pare, pois, se ficar em casa cuidando dele, não terá ninguém para botar o pão na mesa”, afirma Antônia.

O filho de Antônia, Guilherme Justino, de 13 anos, complementa: “Estou no último ano, no 9°, e estava feliz, mas agora não tô mais. Não me sinto um menino inteligente, não é a mesma aula em casa. Desse modo, não consigo aprender, pois, sou só eu e as tarefas da escola”, lamenta.

A pandemia revelou a enorme desigualdade social e digital. Nem todos os alunos têm acesso suficiente a equipamentos digitais ou uma conexão de internet confiável em casa. Embora iniciativas locais tenham sido lançadas em alguns países para fornecer às crianças os dispositivos digitais necessários, alguns alunos enfrentaram grandes dificuldades para acessar e lidar com recursos educacionais online portanto, provavelmente sofrerão perdas de aprendizado.

Ensino remoto e a colisão na vida dos docente e discente

“Os docentes ficaram sobrecarregados com a tarefa de oferecer oportunidades de aprendizagem à distância para seus alunos. Muitos tiveram que aprender a usar novas ferramentas digitais em alguns dias, aprendendo a lidar com a aprendizagem online”, diz a pedagoga Fernanda Carla Calixto, professora de Educação Especial e diretora da Escola Primeiros Passos, uma escola particular em Porto Alegre que atende predominantemente educação infantil e fundamental anos iniciais.

A mudança de aulas presenciais para aulas online foi a única solução possível durante a pandemia. Mas as escolas não seriam capazes de transformar toda a sua metodologia de ensino presencial e seus planos de aula em um recurso online do dia para a noite. “Às vezes, o aluno acha o ensino online chato e desinteressante. O aprendizado online tem tanto tempo e flexibilidade que os alunos nunca encontram tempo para fazê-lo. A atenção pessoal também é um grande problema para o aprendizado online. Os alunos desejam interação bidirecional, o que às vezes é difícil de implementar. O processo de aprendizagem não pode atingir seu potencial máximo até que os alunos pratiquem o que aprenderam”, destaca Fernanda.

A professora destaca o fato de que nem todos os alunos, mesmo de uma escola particular, têm acesso a todos os dispositivos digitais, internet e wi-fi. Para ela, a indisponibilidade de ferramentas digitais adequadas e a falta de conexão com a Internet deixam muitos alunos sem oportunidade de aprendizado. “Devem ser feitos esforços pelas instituições para garantir que todos os alunos tenham acesso aos recursos necessários, diz Fernanda. Ela lembra dos vários alunos que foram prejudicados por não possuírem computadores, tablets ou smartphones para acessar as aulas online de casa.

“Esforços devem ser feitos para humanizar o processo de aprendizagem da melhor forma possível”, comenta a professora Fernanda sobre a importância de medidas para democratizar a educação remota. As instituições devem se concentrar em questões pedagógicas e enfatizar a aprendizagem colaborativa, mas, se para uma escola particular isso já tem sido difícil durante a pandemia, nas escolas públicas em periferias os desafios são muito maiores. Enquanto isso, as famílias, e principalmente as mães solos, precisam enfrentar essa realidade da maneira como podem.

--

--