Economia

Aposentar-se para trabalhar

A organização previdenciária brasileira não oferece segurança financeira a certa parte de seus aposentados, resultando na necessidade de idosos manterem-se ativos no mercado de trabalho

Marihá Maris Maria
Realidades Invisíveis

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A necessidade de contabilizar cada centavo do salário da aposentadoria | Foto: Freepik / Natale_an

A palavra aposentadoria, etimologicamente, refere-se à noção de recolhimento em um aposento, uma pausa para descanso. O vocabulário, ao tornar-se a denominação de um direito trabalhista, na teoria mantém o seu significado, contudo, não é o que acontece no território brasileiro. Em um país atormentado por uma economia instável e pelas novas diretrizes da reforma da previdência, aposentar-se e manter-se em descanso é um desafio.

Laudio de Azevedo Saldanha, de 61 anos, atua como jardineiro na cidade de Bom Retiro do Sul, no interior do Rio Grande do Sul. Aposentado desde os 50 anos, mantém-se ativo para ajudar no orçamento de casa, pois apenas o salário da aposentadoria não é o suficiente. “Quando ainda estava empregado, eu fazia jardinagem também, já pensando que o salário de aposentado não seria muito. Só não pensava que ia ter que trabalhar tanto, achei que ia poder trabalhar menos.”

Essa é a realidade de 33,9% dos aposentados com idade acima dos 60 anos no Brasil, conforme indica a pesquisa realizada no ano de 2016 pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Deste um terço da população de aposentados que continuam ativos, 46,9% alegam como motivação a necessidade de complementar a renda.

Segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo pagamento da aposentadoria e demais benefícios previstos pela Previdência Social, 70% dos beneficiários previdenciários recebem um salário mínimo. Atualmente, ele encontra-se no valor de R$ 1100, contudo, como explica o consultor financeiro Alexandre Lopes, ele está extremamente desvalorizado, pois seu reajuste não considera a perda do poder de compra da população. “Existe a correção nominal, o número que o governo utiliza, e existe a correção real, que é descontada da inflação do país. Essa correção nominal, nunca supera o valor que tivemos de desconto no poder de compra do último ano.”

Lopes complementa que, em determinado momento, o salário mínimo deverá receber a correção real. De outro modo, as pessoas aposentadas que o recebem não possuirão dinheiro para realizar as compras do seu dia a dia.

Com esta instabilidade financeira, presente em grande parte dos lares brasileiros, a pausa definitiva no serviço prestado torna-se uma possibilidade distante, como no caso de Saldanha. “Só se entrar um problema de saúde pra não trabalhar, senão, faço questão de ir fazendo.” E complementa, entre risos: “Se ganhar na Mega-Sena também dá pra parar daí”.

Recentemente, houve a realização da Reforma da Previdência, visando corrigir a estrutura de atendimento aos beneficiários do INSS. Lopes ressalta a preocupação, na realização dessa reforma, em assegurar o funcionamento do sistema previdenciário futuramente. “Temos uma pirâmide populacional que começa a sofrer os efeitos da redução da população que está ativamente trabalhando e contribuindo para o sistema, contra um número crescente e desproporcional de beneficiários.”

Contudo, as novas medidas não interferem positivamente na desigualdade social, pois o governo não tende a olhar individualmente a população. “O governo tem uma visão macroeconômica das coisas, enquanto que a população tende a enxergar o cenário micro”, explica o consultor financeiro.

Desvalorização profissional

A desvalorização salarial não afeta somente a vida pessoal do trabalhador, mas também o seu desempenho profissional. É o que nota Antonia Rita Hassen Jesus, professora estadual do Rio Grande do Sul, residente da cidade de Taquari. Ela atua no magistério desde os seus 18 anos. Aposentou-se em 1998. Contudo, devido a sua situação financeira, em pouco tempo estava de volta à ativa.

“Pedi minha aposentadoria, havia ficado viúva, e fiquei muito assustada. Porque eu tinha quatro filhos, da infância à adolescência. Mas, realmente, quando eu voltei a trabalhar, foi em função de que o salário era muito pouco, a pensão do meu marido também não era o suficiente, tinha toda a questão da faculdade, dos estudos dos meninos, da menina, eu tinha que sustentar a casa.”

Agora, em 2021, aos seus 67 anos, com os filhos independentes e uma renda extra prevista através da venda de sua casa, a professora planeja aposentar-se definitivamente. Mas ela ainda tem medo, devido à perda de vantagens remuneratórias e ao valor do salário dos professores, que está sem aumentos há anos.

Com a aprovação da reforma previdenciária em nível federal, o estado do Rio Grande do Sul, em Dezembro de 2019, realizou alterações na previdência estadual. Com isso, os servidores públicos aposentados do estado que recebem acima de um salário mínimo e abaixo do teto de pagamentos, passaram a ter o desconto de um valor que, ao longo de um ano, aproxima-se do montante referente ao décimo terceiro salário.

Além do desconto atribuído às aposentadorias desde 2020, a classe da educação gaúcha permanece com os salários paralisados há seis anos, sem receber aumento real e reposição da inflação.

Essa situação econômica caracteriza a desvalorização dos funcionários públicos por parte do Estado, e, no caso específico, da educação. “Eu fico impressionada com a falta de respeito e desvalorização da educação. Isso gerou problemas que não é só a gente se sentir desrespeitado, um professor também acabou baixando seu nível de conhecimento, né? Em função da dificuldade”, avalia Antonia Rita.

Saúde e qualidade de vida no trabalho

Com a continuidade da prestação de serviço por parte dos aposentados no Brasil, essa população configura uma mão de obra experiente, mas necessitada de maior atenção à saúde ocupacional. Esta é uma situação nova no mercado de trabalho brasileiro, devido também aos avanços da medicina em fornecer uma maior expectativa de vida às pessoas. Desse modo, cabe às empresas adaptarem-se para acompanhar esse público.

Júnior Rezende, médico do trabalho, atuante na Companhia de Energia Elétrica de Minas Gerais (Cemig) e na empresa Magazine Luíza, ressalta que é indispensável os empregadores oferecerem condições físicas adequadas e medidas preventivas em relação à saúde de seus trabalhadores. “As empresas estão tendo que se adaptar e mudar essa visão, melhorar a questão ergonômica, a questão da carga de trabalho. Fazer a prevenção de doenças crônico degenerativas, acompanhar pressão alta, diabetes, essas outras doenças, porque ela vai ficar com esse trabalhador mais tempo.”

O médico ressalta a importância das empresas oportunizarem qualidade de vida a seus trabalhadores, aperfeiçoando a estrutura, promovendo o ambiente de trabalho seguro, para que o servidor se sinta confortável e resguardado em relação a sua atuação. Somente dessa forma os empregadores conseguirão evitar a restrição física de seus funcionários, fator que interfere no desenvolvimento financeiro da companhia.

Organização social

A estruturação do mercado de trabalho brasileiro obedece aos interesses do sistema capitalista, onde as regras são determinadas pelas empresas e não pelo trabalhador. Buscando uma nova visão do modelo de trabalho, surgiu o grupo Trabalho 60+, formado por membros da terceira idade com experiências profissionais em áreas do conhecimento completamente diversas, proporcionando um ambiente onde os idosos possam estar confortáveis para exporem suas ideias e projetos.

Sediados em São Paulo, iniciaram suas atividades em 2016, com reuniões presenciais para a realização de atividades e debates de ideias. Ao longo do último ano, devido à pandemia do vírus Covid-19, os encontros tornaram-se virtuais, permitindo a possibilidade de expandirem seus contatos com pessoas de outros estados e países.

Grupo Trabalho 60+ em evento na Unibes, 2019. | Reprodução: redes sociais trabalho60mais

Como afirma o seu representante, Eduardo Meyer, o grupo busca o trabalho colaborativo, prazeroso e com justa remuneração, em destaque para a comunidade idosa. Em busca desse objetivo, realizam projetos que visam a adaptação da sociedade a esse público, priorizando as suas necessidades e desejos. “Nós não podemos nos deixar cair na armadilha de as empresas proporem o modelo. Nós temos que discutir, mostrar o que nós queremos, a melhor forma que nós podemos produzir e que não seja uma exploração como eles estão imaginando”, diz Eduardo.

Projetos como esse visam preencher uma lacuna na organização social do país, pois, apesar dos governos proporem novas resoluções econômicas, não há preocupação direta com as condições de trabalho dos mais velhos. “A maior preocupação desses tipos de reforma, como a previdenciária, é manter o sistema sustentável no longo prazo, e cabe a nós nos adequarmos a ele e procurarmos alternativas que favoreçam nosso estilo de vida”, opina o consultor financeiro Alexandre Lopes.

A aposentadoria, que em sua essência seria a remuneração ao empregado por todos seus anos dedicados ao trabalho, fornecendo uma oportunidade de afastar-se das obrigações servis, torna-se apenas uma nova renda, incapaz de apresentar segurança àqueles desfavorecidos financeiramente.

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