A PROMESSA

Pedro W. Gois
Realismo Utópico
Published in
4 min readJun 8, 2017

Segunda parte

Élvio revirou o apartamento. Procurava por qualquer tipo de sinal que comprovasse a nova relação da ex-companheira. Começou pela cozinha, procurando pelas fotos presas com ímans coloridos na geladeira. Na sala, porta-retratos. Apertou o botão da caixa de correio do telefone, nenhuma mensagem. Procurou pelos quartos. Nada. O apartamento estava sozinho. O filho de Ivone devia estar com o pai ou com a avó, pensou. Melhor assim. Buscou o notebook de Ivone no quarto da ex-companheira. Sentou na sala, tentou ligá-lo. Ivone havia trocado a password.

“Essa filha da puta da Ivone! Com certeza tem alguma coisa pra esconder.”

Olhou o relógio. Já passava da meia-noite. Voltou à cozinha e pegou uma faca. Resolveu que ficaria ali, dentro do apartamento, à espera de Ivone. Sentaria na sala? Não, muito impessoal. Ele não era um convidado. Ele já conhecia a casa. Ele já era da casa. Ficaria à espera de Ivone na cama dela. Porque ali era o seu lugar.

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Nos últimos dois anos, frequentou o apartamento de Ivone no edifício diversas vezes. Conheceram-se na Academia de Ginástica. Ela, recém-matriculada na aula de spinning. Ele, professor da modalidade no ginásio. Não demorou muito para a relação professor-aluna transformar-se em algo muito mais profundo e íntimo. Desde que eles tinham começado à relacionar-se, cerca de dois anos antes, Élvio tornara-se muito presente na vida de Ivone, à ponto de dormir a semana inteira no apartamento dela. Mãe de um menino de 8 anos — fruto do primeiro casamento, do qual havia colocado ponto final oito meses antes de conhecer Élvio -, Ivone Martins tinha 36 anos e era funcionária pública. Trabalhava como secretária assistente na Câmara Municipal, emprego que ocupava-lhe grande parte do dia. Élvio, com horários mais flexíveis no ginásio, passou a levar o filho de Ivone para o colégio. Parecia um bom padrasto, um excelente companheiro. Durante dois anos, a relação esteve bem.

Até o fatídico dia em que Élvio viu uma mensagem no telemóvel de Ivone. Uma mensagem inocente, onde um colega de trabalho convidava-lhe para um almoço e perguntava sobre o restaurante de preferência. Não seria nada demais se o colega de trabalho não fosse um ex-namorado do época de universidade. Discutiram. Ela acusava Élvio de invasão de privacidade. Élvio perguntava sobre o almoço, acusava Ivone de traição. A discussão foi acalorada. Élvio chegou à ficar quase uma semana sem aparecer na casa de Ivone. As coisas acertariam-se tempos depois, mas Élvio mudou o comportamento. O excelente companheiro deu lugar à um homem ciumento e possessivo e que, em um ou dois casos, beirou à violência.

Ivone não suportou. Não precisava suportar. Era uma mulher independente, mãe de um filho. Já havia sido casada e sabia muito bem que o fim de uma relação não era o fim da vida. Precisava seguir em frente. Quando anunciou para Élvio o fim da relação, viu-o devastado. Durante semanas, Élvio ligava para seu telefone. Quatro, cinco vezes por dia. Mas Ivone estava decidida. Não significava não. Élvio não parecia entender. Até o dia em que Ivone aceitou uma boleia de um colega de trabalho, na volta para a casa após o expediente. Élvio estava na porta de seu prédio com um buquet de flores. Foi um escândalo. Daquele dia em diante, Élvio mudou a atitude. As ligações com pedidos de desculpas e promessas de mudança deram lugar à um tom ameaçador. Ele queria saber quem era o novo namorado de Ivone.

Ela pensou em dizer a verdade: não havia nenhum novo namorado. Mas pensou que aquilo era demais. Não daria satisfações. Não confirmou. E nem negou. As ligações eram constantes. As perguntas as mesmas. Élvio tinha certeza de que a ex-companheira já tinha um novo namorado. E ele não aceitava aquilo.

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Acordou sobressaltado com o barulho da porta do apartamento. Devia ser Ivone, pensou. Levantou da cama num salto. Pegou a faca na mesa de cabeceira e escondeu-se por detrás da porta. Porque ele estava fazendo isso? Élvio não sabia responder. Tinha planejado estar deitado na cama. Porque tinha levantado e se escondido atrás da porta? O susto, talvez. Será que estava dormindo? O pensamento de Élvio foi interrompido pela porta do quarto abrindo-se. Viu Ivone entrar. Estava sozinha. Ela não pareceu perceber nada. Élvio esperou a ex-companheira afastar-se da porta para, de forma ágil, bater a porta do quarto, fechando-a e revelando-se à Ivone.

A primeira reação de Ivone foi gritar. Parecia assustada. Mas logo que reconheceu o ex-companheiro, Ivone mudou a expressão. O olhar de susto deu lugar à um olhar de surpresa, rapidamente evoluindo para uma expressão de raiva. Novamente, Élvio estava invadindo seu espaço. Invadindo sua privacidade. Mas dessa vez, passara de todos os limites. Ela não podia acreditar no que estava vendo. Ela não podia acreditar naquilo.

- Invasão de domicílio dá cadeia, Élvio! Queres acabar com a tua vida?

- Vou acabar com a vida de nós, os dois!

- Sai da frente da porta, Élvio. Deixa eu sair desse quarto!

- Vou te fazer uma promessa, Ivone. Quer saber qual é?

- Não quero saber das tuas promessas, Élvio.

- Te prometo que nós vamos morrer juntos. Eu e você. Hoje. Nesse quarto!

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