Uma prosa introdutória (parte um)

Pedro W. Gois
Realismo Utópico
Published in
3 min readMay 26, 2017

Retirado do livro “Prosa Introdutória e mais trinta e sete poemas” (Ed. Clube de Autores, 2013)

Estou sentado à frente do computador. A tela branca é a única coisa que ilumina o quarto, mergulhado no escuro. O relógio verde brilha na mesa ao lado. Marca 22:15.

No silêncio do quarto vazio, computador à frente. Ligado. Surge-me a ideia. Digito furiosamente a ponto de afundar levemente a tecla “A”, ignorando o barulho do vento lá fora. A mente parece um turbilhão. Tantas ideias. Todas ao mesmo tempo. Uma vez, ouvi de um conhecido que, quando escrevia em pleno processo criativo, mesmo que o sono lhe atormentasse, não era idiota o suficiente para dormir e ignorar todas as ideias. Era mais ou menos o que acontecia comigo. Mais um haicai pronto. Olhei de novo, 22:16. Porra!, um minuto. Eu estava ficando bom naquilo, não pude deixar de dar um sorriso, como se estivesse feliz comigo mesmo simplesmente por conseguir escrever três versos. São só três míseros versos.

Ser escritor não é fácil. Todo o processo criativo, desde a concepção da ideia até seu pleno desenvolvimento pode durar anos. O poeta, contudo, é um escritor diferenciado. Em geral, o lampejo de genialidade brotava de tal forma que, em questões de minutos, o poema estava escrito. Existia algum processo de lapidação da ideia. Mas, de grosso modo, estava ali. Pronto. Escrito. Terminado.

Entre as mares
No mar em que sou,
Ou em que deixo de ser.

Estava bom. Sorri pelo canto da boca. Era aquilo. Precisava de mais alguns. Levantei da cadeira, de frente ao computador e caminhei até o outro lado do quarto. Na estante, peguei a garrafa de uísque e, ao encher dois dedos do corpo, derramei um pouco sobre a mesa. Dei um gole e larguei o copo sobre a estante, ao lado da garrafa de uísque. Voltei à cadeira.

Reli o poema. Estava uma merda. Deletei o arquivo. Odiava todo aquele processo. Era preciso escrever mais e mais. Concentração. O problema é que, quanto maior a vontade de escrever, menor a capacidade de concentrar-se.

Voltando ao assunto. Penso que ser poeta, ou pelo menos o que fez-me tornar poeta foi toda essa facilidade. Praticidade é a palavra. Praticidade entre a concepção da ideia e a sensação de vê-la pronta. Nunca fui um cara que tivesse paciência para as coisas, em geral. O que demorasse mais tempo do que eu estava disposto à gastar, o que não era raro, eu simplesmente jogava fora. Descartava. Deixava pra trás. Por isso virei escritor de poesia.

Ser poeta é
Saber colocar toda a raiva
No papel

Depressivo demais, talvez. O haicai guilhermino era o que mais atormentava-me. Digitei mais um, simplesmente pelo treino em si.

Sou quem eu penso
Sou quem eu sonho ser ou
Apenas penso ser?

Não estava tão ruim. Apesar disso, como bom leitor de Leminski, minha preferência sempre foi escrever sem a necessidade de estabelecer regra. Aliás, também escrevo por isso. Pela não-necessidade de regras. Não que eu seja um anarquista. Mas não preciso seguir orientações estúpidas sobre a forma e o conteúdo do que irei escrever.

Que se foda esse haicai guilhermino. Qual a diferença entre escrever cinco sílabas, depois sete e, por último, repetir as mesmas cinco sílabas? Merda de norma que obriga-me, até mesmo num exercício de liberdade mental e criativa que é escrever, à seguir uma regra escrota.

Cinco. Sete. Cinco.

Sem imaginação.

Foda-se. Não escrevo mais um haicai guilhermino.

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