Uma prosa introdutória (parte dois)

Pedro W. Gois
Realismo Utópico
Published in
3 min readMay 27, 2017

Retirado do livro “Prosa Introdutória e mais trinta e sete poemas” (Ed. Clube de Autores, 2013)

Sento-me novamente em frente ao computador. A tela branca, vazia, continua sendo a única fonte de iluminação no quarto escuro. Dessa vez, a noite parece mais silenciosa. Acabei de voltar da cozinha, dessa vez, trazendo uma xícara de café.

Eu podia ver a fumaça subindo, vindo do cigarro apoiado no cinzeiro. Estava quente pra caralho, naquela noite. Olhei pro relógio. Passava da meia-noite. Aliás, porque meia-noite chamava-se meia-noite? Para mim, não é e nem nunca foi meio de noite nenhum. Considerando o fato de eu nunca dormir antes das quatro da manhã e raramente acordar antes do duas horas da tarde, o meio da minha noite deve ser às oito ou às nove horas da manhã. Que falta de criatividade.

Afinal, sobre o que eu estava pensando? Sobre que horas é a minha meia-noite? Cadê os poemas? Eram só haicais. Forma mais simples de poesia. Grande poeta, eu sou. Olho de novo para o relógio. Meia noite e vinte e dois minutos. Bebo um gole de café. Sinto o gosto forte da cafeína, misturado à canela e ao chocolate.

Por que eu resolvi ser poeta? Já sei que é mais cômodo. Mas porque não ser um romancista. Escrever romances. Pura fantasia. Pura ficção. Ser romancista em nada é ser romântico. Romântica é a poesia que eu escrevo. É serio. Fazer poesia cansa.

Se sou poeta,
Posso fazer uma prosa
Desde que seja poética,
Prosa-Poesia

Saiu naturalmente. Sem perceber. Quando eu notei, já tinha digitado. Bebi o café satisfeito. Talvez eu não estivesse tão sem criatividade assim. Notei algo errado. Reli. Merda! Quatro versos. Apaga tudo. Nada disso é válido.

Olha eu, novamente, preocupado com normas poéticas. É assim que será!

Não vou estragar a poesia por causa do meu ego. Se sou tão merda à ponto de não escrever os malditos haicais com três versos, não sou poeta. Passarei por cima do ego. Serei poeta. Seja refeita. Adapte-se. As ideias não me vem à mente. Olhar fixo na tela. Nada.

Olhar novamente no relógio. 01:34 da manhã. O tempo simplesmente voou. Me restringi ao último poema e nada mais. Já fazia uma hora e quinze minutos. Não saía nada. O gole final de café. Estava frio, sem nenhum gosto à café. Era preciso sair de frente da tela do computador. A inspiração não me veio, até aquele momento, olhando para uma máquina. Levanto da cadeira. Pego um cigarro. Aproximo-me da janela.

Acendo meu cigarro. Deixo o isqueiro sobre o tampão da mesa, num pequeno ruído que corta o silêncio vazio da madrugada. Sou eu, o cigarro, a fumaça e o vidro que separa-me do mundo lá fora. Da realidade. Não da minha realidade, mas da realidade de alguém. De quem?

Os prédios estendem-se até quase tocar o céu. Nessa noite chuvosa, o próprio céu adquire uma nebulosidade com tons cinza-escuro-roxo. Vejo algumas janelas iluminadas, luzes acesas. A maioria, apagada. Dou mais um trago. Uma ideia. Uma só. Vasculho a mente, falar sobre a vida dessas pessoas que dormem enquanto trabalho. Sim, é uma boa ideia. Penso quantas vidas não existem dentro de cada uma dessas janelas. A maioria, dormindo o sono dos juntos, vai trabalhar no dia seguinte. A mesma vida pacata e normal de sempre. Eu, um notívago, mantenho a luz da janela acesa.

É quase como um grito solitário contra a solidão das luzes apagadas, que a cidade impõe-nos. À todos nós.

Nada. Nenhuma ideia. 01:43. Puta irônia. Na última vez que eu olhei, eram 01:34. Agora, houvera uma inversão dos números que contabilizam os minutos. Em que merda eu tô pensando? Foda-se. O que a falta de criatividade não faz, à uma mente não-produtiva?

--

--