A Defesa das Conquistas de Abril no contexto eleitoral da Madeira

Pedro W. Gois
Realpolitik Madeira
5 min readSep 22, 2019

Realizam-se, no dia 22 de Setembro de 2019, as eleições para a Assembleia Legislativa, na Madeira, e que, por sua vez, descortinam os rumos da História política da Região. Depois de quarenta e três anos de Governação do PPD/PSD, a Madeira apresenta um quadro financeiramente endividado, já que o Governo Regional revela dívidas que ascendem ao valor de 5,2 mil milhões €, correspondendo a 94% em relação ao Rácio da Dívida Bruta em relação ao Produto Interno Bruto Regional; socialmente empobrecido, com a maior taxa de desemprego, em Portugal, durante o ano de 2018 e a segunda maior taxa de abandono escolar do país, com 26% dos jovens, o que significa que um a cada quatro jovens madeirenses não completa os estudos; e politicamente deficitário, o que pode ser comprovado com a décima segunda legislatura consecutiva do mesmo partido, sempre com maioria parlamentar absoluta.

Das Conquistas de Abril, para o território insular da Madeira, aquela que mais destaca-se é a sua Autonomia Político-Administrativa, em relação à Portugal. O arquipélago da Madeira, descoberto em 1419, foi a primeira colónia do Império Ultramarino português, ainda no século XV. No século seguinte, Portugal coloniza outros territórios em África e no Brasil. De fato, a Ilha da Madeira tem um desenvolvimento histórico das suas relações de produção muito mais similar as colónias ultramarinas do que, propriamente, ao restante do território português. Um exemplo disso são os ciclos de monocultivo cerealífico, sacarino e, posteriormente, a viticultura — produções agrícolas, por sua vez, sempre baseada em grandes latifúndios, onde vigorava o contrato ‘colonia’ que obrigava a população campesina, sem direito à sua pequena propriedade, alienar a sua força produtiva, vendendo a sua própria mão-de-obra para o proprietário da terra. Essa lógica de mercantilização da força do trabalho, por sua vez, garantia a exploração dos camponeses, já que o “Senhor” apropriava-se de metade da colheita. É fundamental recordar, portanto, que — tendo o Brasil tornado-se independente ainda no século XIX e as demais colónias africanas conquistado a sua independência no século XX — a Madeira, tendo sido a primeira colónia ultramarina de Portugal, foi o último território, já em 1976 com o Estatuto de Região Autónoma, a garantir a gestão político-administrativa sobre sua própria fronteira, permitindo à população eleger seus representantes.

A Autonomia é a principal Conquista de Abril, na Madeira, porque objetiva consolidar a integração do arquipélago com o restante do território português em simultâneo ao reconhecimento, por parte do Estado, das particularidades históricas que originam uma Economia Política distinta da que apresenta-se em Portugal, enquanto território continental. Todas as conquistas sociais de Abril, todos os direitos conquistados pelos trabalhadores na Revolução de 1974 — o direito de participar do processo de decisão política, através do voto; o direito à livre-reunião e organização, por parte dos trabalhadores, em sindicatos; liberdades individuais, entre elas a liberdade de expressão; o acesso universal à Saúde e a Educação, como serviços públicos essenciais ao desenvolvimento social; aos direitos laborais garantidos pela Constituição; o direito à continuidade territorial, por parte das regiões autónomas … — foram conquistas populares e dos operários portugueses mas a concretização destes direitos, enquanto objeto jurídico consagrado à luz da Constituinte , são resultado do Estatuto de Região Autónoma. É fundamental essa acepção, do que representa a Autonomia enquanto Conquista primordial de Abril e noção basilar na organização da sociedade madeirense, para podermos compreender, a priori, o que é — de fato — a Autonomia, enquanto instrumento político e como exercê-la como meio de desenvolvimento económico e social.

Neste sentido, é preciso desmistificar a Autonomia enquanto fator de disputa política entre o Governo Regional e a República. O Estatuto Político-Administrativo deve servir, fundamentalmente, para garantir ao interesse da população madeirense, permitindo que as diferenças — geográficas, económicas, sócio-culturais — sejam objeto de políticas públicas que discriminem, positivamente, o residente na Região. Portanto, a Autonomia não deve ser uma ação de ruptura com a República mas um processo de complemento estrutural para viabilizar a continuidade territorial insular e garantir que o madeirense possa efetivar, mesmo distante do território português, os seus Direitos Sociais conquistados em Abril.

A Defesa dos Direitos Conquistados em 1974, na Madeira, passa por aprofundar a Autonomia enquanto ferramenta democrática de inclusão política, de maior equidade económica e para o desenvolvimento social. Mas como?

Primeiramente, é importante que qualquer análise acerca do regime autonómico inicie-se à partir de uma Crítica da Economia Política, isso é, qualquer acepção do que é Autonomia Regional deve passar, necessariamente, pelo conceito de autonomismo económico. Ter autonomia económica significa, exatamente, garantir instrumentos de arrecadação que proporcionem, à Região, a capacidade de gerar a receita necessária para proporcionar um investimento público que não seja dependente dos Orçamentos de Estado português. A autonomia político-administrativa, por outro lado, deve ser o produto da capacidade arrecadativa e do seu resultante enquanto investimento público gerado. Não é possível ter autonomia político-administrativa, ou seja, não é possível ser autónomo nas relações de Poder existentes e no modelo de organização da administração pública, se não há, a priori, instrumentos que garantam a geração de recursos económicos próprios e desvinculados do Estado central, em Lisboa.

A organização dos trabalhadores, enquanto classe revolucionária, continua sendo o fator decisivo para uma consistente Defesa das Conquistas Sociais de Abril. Mas, no contexto das eleições legislativas regionais, defender todos os direitos conquistados em Abril passa, necessariamente, pela participação política, dentro da lógica democrático-liberal burguesa, no processo eleitoral por parte da massa proletária, dos campesinos, dos estudantes, dos trabalhadores precários e de todos os explorados. A relação de forças dentro do Parlamento Regional, resultante do pleito legislativo, será um fator fundamental para a formação do próximo Governo Regional, em um processo eleitoral que, muito provavelmente, não elegerá maiorias absolutas. A construção de um Governo Regional com representantes da própria classe trabalhadora, nos mais variados partidos que podem eleger deputados e formar um eventual Executivo, é imperativo para alargar a defesa das conquistas sociais de Abril por toda a Região.

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